Cortesia de marciomorenawordpress
A Tirania do Presente
«Para começar, todas as sociedades democráticas têm dificuldades estruturais para ter em conta o futuro, porque a aceleração do tempo social dificulta a sua percepção e antevisão. Qualquer incremento da velocidade é acompanhado por uma proporcional diminuição do alcance da visão. A aceleração produz a sedução de chegar mais perto do futuro, mas na realidade elimina-o como dimensão estrategicamente configurável. O tempo longo da estratégia torna-se impossível na medida em que a aceleração tende a anular o tempo de espera, os períodos destinados e pensar e reflectir. O pensamento e a acção transformadores baseiam-se na confiante convicção de o futuro ser configurável pelo homem. Ora, com o estabelecimento da instantaneidade e da simultaneidade globais, este tipo de futuro é marginalizado por um presente veloz entendido como foco exclusivo de gratificação e interesse. É este um dos motivos dessa dissociação entre o futuro que deveríamos considerar e aquele que realmente entra nas nossas considerações:
- ao passo que a repercussão das nossas acções chega a futuros muito remotos, a nossa perspectiva e a nossa ocupação continuam reduzidas ao âmbito operativo do presente.
Cortesia de universico
Outro dos motivos dessa redução do horizonte de atenção resulta do facto de que os períodos eleitorais estruturam a medida temporal da democracia representativa. As regras que conferem poder aos governos fazem-no por um período determinado, de maneira que há de quatro em quatro anos, de um modo geral, uma contenda eleitoral que decide quem perde e quem vence. Este ritmo elementar determina a tendência das estratégias políticas a concentrarem-se no objectivo de não perder o poder ou de conquistá-lo. Isso limita o espaço de movimentação da política, visto que a obriga a tratar os problemas segundo o prazo temporal das legislaturas. Os problemas são geridos de modo a que haja um reforço, ou, pelo menos, a que não haja diminuição, das possibilidades de continuar no poder durante a legislatura seguinte. Todos os problemas que não se adaptarem a tais condições serão tratados de uma maneira dilatória ou enfrentados quando já não houver outro remédio.
Cortesia de fabiopestanaramos
Esta atitude restringe o alcance do interesse geral ao interesse eleitoral e simplifica a soberania política reduzindo-a à soberania dos eleitores. O interesse geral não é somente a vontade concreta dos eleitores, é também uma realidade intertemporal, a única coisa que pode justificar projectos de longo prazo, decisões que não tendam tanto a resolver como a configurar, investimentos ou acordos estruturais, grandes projectos como a educação, as infra-estruturas, o sistema de pensões, a política energética, a reforma das administrações, etc. Para atender a estes e outros assuntos semelhantes, é necessária outra configuração da vontade política, e noutro registo temporal, que complemente o ritmo eleitoral.
Podemos encontrar na própria natureza da demoscopia e do comportamento eleitoral outros motivos que explicam a tirania do presente. Os seres humanos (e também, portanto, os eleitores) tendem a esquecer o futuro nos seus cálculos. O que lhes importa é o «aqui e agora». A importância dilui-se à medida que nos vamos afastando do presente imediato. Atendendo à nossa dupla incerteza a seu respeito, a exclusão do futuro não é completamente irracional: não conhecemos o futuro nem sabemos se viveremos nele.
Os eleitores esquecem o futuro de duas maneiras:
- em primeiro lugar, porque é futuro e não presente;
- em segundo lugar, porque (e na medida em que) esse futuro é o futuro de outros.
Este duplo esquecimento impõe-se de uma maneira inexorável. Na confrontação democrática, compete-se unicamente pela aprovação dos que votam «aqui e agora» e não dos que, embora possam ser os principais atingidos, só o farão no futuro». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT