Cortesia de wikipedia
Retrato de Reino de Portugal.
«De facto, voltando a cara para ocidente, tem à direita a Galiza, a Biscaia, a França, a Inglaterra, a Flandres e a Alemanha e os outros países setentrionais; em frente tem a Ilhas, com as Índias Ocidentais, à esquerda, a Andaluzia, o estreito de Gibraltar por onde se entra nas navegações itálicas e gregas; e, deixando o estreito e seguindo à esquerda, a África onde, como se sabe, se encontram tantos países e tantos povos novos, desconhecidos dos Antigos, que eram de opinião que a zona tórrida se achava desabitada. Dos quais lugares todos em redor vêm a Lisboa, em pouco tempo, navios com infinitas riquezas. Isto sem falar do comércio com os reinos de Castela que lhe ficam contíguos, nas costas. De todas as cidades, Lisboa, Évora e Coimbra (estas duas são no interior) e o Porto, que tem o rio Douro, são as melhores, existindo em Coimbra um estudo público com afamados lentes (esquece a Universidade de Évora, fundada em 1559). Falando porém de Lisboa, que é a principal cidade do Reino e muito povoada, julgando muitos que, tirando Paris, é aquela que, na Cristandade, tem maior população (Lisboa, nos finais do século XVI, aproximava-se dos 100000 habitantes.
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Embora a autor exagere, é provável que, acima dela, só então estivessem na Europa, Paris, Nápoles e Veneza), tem um clima muito doce e temperado, embora não esteja mais distante do equador do que 39º pelo que parece se deveriam sentir os raios do Sol. Contudo, por estar situada na margem de um tão grande rio que, com o crescer e o baixar das águas, traz sempre consigo uma brisa ligeira, tira daí sobretudo a causa dessa temperança.
O sítio é belo e irregular, nem todo plano, nem todo acidentado, ornado de muitos templos devotos e ricos, alguns deles de razoável beleza, onde se efectuam serviços divinos com grande solenidade. Há muitas residências de particulares belas e cómodas. As saídas da cidade são agradáveis, por que algumas gozam a vista do rio e da terra juntamente e outras a da terra somente.
Não é muito copiosa em belos jardins, nem dentro nem ao redor, mas começam agora a fazê-los (informação importante para a história dos espaços verdes em Portugal). Tem um castelo no local mais alto da cidade, mais forte pela disposição do sítio do que por artifício e que por isso não se guarda, servindo apenas para habitação do governador da cidade e para prisão de gente importante. Fora da cidade, como também dentro, há muitos mosteiros de frades e de monjas, entre os quais, ao longo do rio na direcção da foz. Distante da cidade uma légua, está o dos frades jerónimos, grande e muito belo, da invocação de Nossa Senhora de Belém, onde se encontram as sepulturas dos reis (o mosteiro dos Jerónimos distava de Lisboa uns 5 km em linha recta. Nele estavam já sepultados D. Manuel I e D. João III com as suas consortes. O corpo de D. Sebastião só aí foi tumulado em 1582).
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Pouco distante dai, no mesmo rio, existe uma torre bastante formosa à vista e com grande quantidade de artilharia (torre de Belém, construída em 1515-21), a qual impede que entrem ou saiam embarcações sem licença. Defronte dela, do outro lado do rio, há uma outra, chamada Torre Velha (provavelmente o castelo de Almada), ambas guardadas por pouca gente. Mais adiante, na foz do Tejo, no lado direito, está um castelo, obra mais moderna e que chamam de S. Julião (S. Julião da Barra, fortaleza construída nos reinados de D. João III e D. Sebastião), feito também com intenção de guardar a entrada, e onde se acha maior guarnição. O rei tem dois palácios em Lisboa, um melhor do que o outro, mas nem um nem outro se podem dizer belos ou cómodos (refere-se ao Paço do Castelo e ao Paço da Ribeira, este construído nos reinados de D. Manuel I e de D. João III).
Todavia, é nesta cidade que costumam os reis viver a maior parte do tempo, tanto por que nela se fazem as armadas para todas as conquistas e comércios, como por que têm muito perto bosques e locais aprazíveis, quer para o Verão, quer para o Inverno. A cidade não é muito agradável, mas antes tristonha, porque as ruas não são largas nem direitas nem limpas, e as casas geralmente de pouca aparência de arquitectura. Deve-se andar a cavalo porque, por costume, tem-se pouca conta de quem anda a pé.
Os homens são de mediana estatura, mais sobre o pequeno do que sobre o alto, mais sobre o moreno do que sobre o louro, de aspecto triste, ao que ajuda ainda o facto de, sendo por lei proibido vestirem panos de seda (reinados de D. João III e D. Sebastião), envergarem trajes de baeta e de outros tecidos semelhantes que não causam bom aspecto, tanto mais que usam sempre o chapéu com os borzeguins (uma bota justa atacada e que chegava a metade da perna).
Há um arsenal onde se fabricam e reparam, postos em terra, enormes navios para as viagens da Índia, com muitos armazéns providos de artilharia e três salas de armas onde existe um número de corseletes (peitos de armas ou couraças leves)». In Portugal Quinhentista, Ensaios, A. H. Oliveira Marques, Quetzal Editores, Referências, Lisboa, 1987.
Cortesia de Quetzal Editores/JDACT