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Preâmbulo.
«Um segundo aspecto, indissociável do primeiro, refere-se ao problema, tantas vezes repisado pela historiografia da presença portuguesa na Ásia do Sueste, da disputa religiosa entre Islão e Cristianismo. Segundo certas correntes historiográficas estas disputas teriam sido factor decisivo nos conflitos entre os portugueses e alguns dos mais importantes estados do norte de Samatra, destacadamente o sultanato de Achém. Em rigor, não se pode negar que em curtos momentos, intermitentemente, o fanatismo religioso agudizou a concorrência económica e a rivalidade político-militar e geo-estratégica entre os portugueses e alguns potentados da zona. Porém, um olhar mais atento e crítico sobre as fontes evidencia, como exporemos, que em muitos casos o ódio religioso encobria motivações bem diferentes e funcionava sobretudo ao nível da retórica oficial.
Um último ponto relativo a esta matéria tem a ver com a necessidade de distinguirmos, no estudo das relações dos portugueses com o norte de Samatra, entre o que foi iniciativa oficial, do Estado da Índia, e o que foram os interesses da iniciativa privada, de mercadores portugueses e luso-asiáticos.
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Curiosamente, no norte de Samatra, o falhanço da maior parte dos projectos oficiais foi quase inversamente proporcional aos sucessos dos interesses privados. Porém, nem uns nem outros lograram introduzir mudanças significativas e perduráveis na geografia política e económica da região, ao longo do período agora estudado.
Desde o trabalho pioneiro de Tiele, publicado nas últimas décadas do século passado, às grandes e clássicas sínteses de Magalhães Godinho, Charles Boxer e Meilink-Roelofsz, datadas da década de 1960, um longo caminho foi percorrido até à correcta perspectivação histórica dos contactos portugueses com a Ásia do Sueste e com o norte de Samatra em particular.
Para trás ficaram, entretanto, trabalhos porventura demasiado arreigados a uma concepção apologética da questão das disputas religiosas entre os portugueses, espécie de guarda-avançada da Europa cristã no Oriente, e o sultanato de Achém, porta-estandarte da «jihad islâmica» na Ásia do Sueste. Esta corrente de pensamento levou alguma historiografia da missionação portuguesa no Oriente, por exemplo, a distanciar-se da crítica das fontes religiosas, que relatam os chamados «martírios» de cristãos (religiosos, soldados e mercadores portugueses) no Achém sem olhar a mais do que à propaganda missionária e do Padroado português no Reino e pela Europa, onde corriam impressos.
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Invertendo um pouco esta tendência, em finais da década de 1960 Denys Lombard publicou a sua monografia sobre o período áureo da história do Achém, o reinado do sultão Iskandar Muda (1607-1636). Por um lado, do ponto de vista da história local, o campo historiográfico abria-se a uma série de temas até então praticamente negligenciados, e sobre os quais se adquiriam agora bases cronológicas seguras e bom material de reflexão. Por outro, talvez pela primeira vez de forma tão patente, ponderava-se o facto de os portugueses serem apenas mais uns actores, que se juntavam a outros actores estrangeiros, que contactavam e se estabeleciam no norte de Samatra. Fazia-se, pois, a equilibrada avaliação do impacte português sobre os estados, as sociedades e culturas locais. Numa palavra, tratava-se, como escreveria mais tarde Lombard, de procurar os «limites da Ocidentalização», numa primeira aplicação ao caso português». In Jorge Manuel dos Santos Alves, O Domínio do Norte de Samatra, 1500-1580, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1999, ISBN 972-9326-19-3.
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