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A Tomada de Ceuta
«Ora os Infantes como eram mancebos duma época essencialmente guerreira só tinham em mente, nos primeiros anos da juventude, praticar em algum campo de batalha esses feitos que aos valorosos faziam conquistar o ingresso na ambicionada ordem da Cavalaria. Ser cavaleiro era realizar um sonho dourado. Por isso os Infantes, com o ardor dos vinte anos, inquiriam de João I, a miúdo:
- «Senhor pai e rei; quando nos fazeis mercê da honrada Cavalaria?»
E D. João ria, respondendo:
- «Em breve, filhos, em breve. Aparelharei tais festas que farão espanto a todos os que a elas vierem. Chamarei de fora os melhores manejadores e justadores, e haverá torneios e jogos e momos e folguedos de desvairadas guisas. Durarão as festas um ano inteiro e nas Espanhas não haverá cavaleiro mais honrado que vós outros».
Mas os Infantes retorquiam:
- Graças, senhor pai, graças. Mas antes quiseramos conquistar as esporas de cavaleiros em alguma lide de armas em que as nossas vidas perigassem.
O veterano de Aljubarrota estremecia de gozo por ver os filhos tão ardidos em cometimentos de guerra e replicava-lhes, sorrindo:
- Bem sabeis; estamos em paz com Castela.
Os Infantes retiravam-se descontentes e diziam uns para os outros:
- Nosso pai e senhor quer armar-nos cavaleiros com festas de desvairadas guisas; nós só ambicionáramos que ele nos fizesse mercê de irmos combater os mouros de Grada (Granada), e assim conquistaríamos a honrada Cavalaria como é digno de filhos de reis, pois conquistara com festas e jogos isso compete «aos filhos de cidadãos e de mercadores» porque «toda a fama de sua honra está na fama de sua despesa».
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E falavam nisto também com o irmão bastardo, D. Afonso. Este, ao menos, tivera a fortuna de alcançar a espada de cavaleiro em lide trabalhosa de armas, lá no assalto de Tuy, em 1398, pensavam os Infantes. Era para ele uma vantagem que compensava bem o labéo de bastardia. E assim os Infantes só queriam ir combater. Pareceria a primeira vista que seria fácil satisfazer-lhes bem depressa os ímpetos guerreiros em uma época tão belicosa, que Honoré Bonet, prior de Salons de Cran, bem retratou no seu livro “Arvore de Batalhas”, todavia assim não era. A posição geográfica de Portugal obstava a que houvesse disputas com outros vizinhos além dos de Castela; com estes equilibrara-se afinal a situação das duas nações antagonistas após as negociações por vezes interrompidas, bem violentamente, desde as tréguas de 15 de Maio de 1393 até ao tratado de Ayllon, de 31 de Outubro de 1411. Não convinha de modo algum quebrar a paz que tanto trabalho dera a conseguir.
Também se podia ir travar peleja com os mouros de Granada; e essa ideia entusiasmava os Infantes. Combater os infieis! Quase se sentiam como esses antigos cruzados, acudindo, num arrebatamento de fé, a libertação do Sepulcro Santo, sugestionados pela voz do humilde Pedro, ressoando como um clarim de guerra na praça pública de Clermont, à decima sessão do Concilio, todos de variadas regiões e variados idiomas, mas constituindo um só povo, tão unidos eram pelo amor de Deus e do próximo, segundo a frase de Foulques de Chartres. Mas qualquer investida aos granadinos era um grande de desafio lançado aos pés de Castela. A esta competia a conquista do último baluarte dos mouros na Península.
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D. João I podia ajudar; foi esse auxílio, exigido da parte de Castela quase como tributo, que fizera prolongar as negociações de Santarém. Afinal, Alvaro Gonçalves da Maia viera comissionado pela rainha D. Catarina pedir, “como favor”, a D. João I o auxilio de doze galés contra os mouros de Granada. O Rei de Portugal acedeu e estava pronto a mandá-las, quando perguntando alguma coisa acerca dessa guerra planeada ao Infante D. Fernando, o regente, este lhe respondeu que sustasse a expedição da armada, pois que ele andava excessivamente ocupado com os seus projectos acerca do reino de Aragão. Os Infantes de Avis, já ambicionando uma conquista brilhante para alcançarem a ambicionada Cavalaria, ficaram despeitados. E D. Henrique, o mais tenaz nos seus desígnios e o mais belicoso, divagava pelas salas dos paços reais, sombrio e triste, buscando e rebuscando na mente qualquer alvitre glorioso de conquista, que sugerisse ao pai.
Todos eles falavam a miúdo com os mais leais servidores, esses que tinham ganho honra em lides e arrancadas, e que na corte passavam admirados na sua radiosa glória. Tinham inveja, quase, deles os Infantes. Que lhes indicassem um campo de batalha onde fossem praticar gentilezas de armas, pediam-lhes. Os velhos guerreiros meditavam e nada diziam. Mas um dia, João Afonso de Alenquer, que tinha a seu cargo a vedoria da fazenda e fora em tempos contador do Condestável, indicou, quase a ventura:
- - Ceuta.
Os Infantes entreolharam-se e não puderam deixar de louvar a bela ideia. Que falasse João Afonso ao Rei em tal desígnio, induziram eles ao vedor. Que não; observara este, melhor competia isso aos Infantes, que em tão nobres desejos ardiam.
Resolveram-se. Foram, e D. Afonso, o bastardo, com eles. D. João, já avisado por João Afonso, ouvira-os sorridente; porem mostrou-se reservado, hesitante. D. Henrique falou mais do que todos, com ardor, entusiasticamente, seria uma conquista gloriosa e muito em serviço de Deus. D. João I, rejubilando-se intimamente com as ambições guerreiras dos filhos, adiou contudo a resolução do assunto (23)». In Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, Typografia do Commercio do Porto, 1894G 286, H5A53, Porto.
Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT