Cortesia de nadirdonofrio
In Memoriam de ATJ
A mão invisível do vento roça por cima das ervas
A mão invisível do vento roça por cima das ervas.
Quando se solta, saltam nos intervalos do verde
Papoulas rubras, amarelos malmequeres juntos,
E outras pequenas flores azuis que se não vêem logo.
Não tenho quem ame, ouvida que queira, ou morte que roube.
Por mim, como pelas ervas um vento que só as dobra
Para as deixar voltar àquilo que foram, passa.
Também para mim um desejo inutilmente bafeja
As hastes das intenções, as flores do que imagino,
E tudo em volta ao que era sem nada lhe acontecesse.
A palidez do dia é levemente dourada.
A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos Secos.
O frio leve treme.
Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses,
Aqueço-me trémulo
A outro sol do que este
O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves
De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhor
Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está.
Poemas de Ricardo Reis, in «Banco de Poesia, Casa Fernando Pessoa»
Cortesia da Casa Fernando Pessoa/JDACT