segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Carla Alferes Pinto: A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. Parte VI. «D. Maria foi também a única irmã do rei a acompanhar o casal régio e o seu filho herdeiro na importante visita a Coimbra, realizada no ano de 1550. A visita suscitou grande euforia e a cidade não se poupou a esforços para receber com a maior dignidade os membros da família real. São recebidos na Universidade»

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Dona Maria, Infanta de Portugal
«A independência financeira e cultural da Infanta não a afastou, contudo, das funções sociais que tinha, por obrigação, como filha e irmã de rei e, por vontade própria, como figura de Estado que, tão depressa aparece junto da família real nas exibições públicas, festas religiosas, viagens reais e recepções diplomáticas, como depois marca audiências privadas, no resguardo dos seus paços, onde era Senhora.
A sua presença junto do rei e da rainha é constante; os testemunhos de estima recíproca, ao contrário do que queriam Frei Miguel Pacheco e os autores que nele se inspiraram, e até Carolina Michaëlis de Vasconcelos, que viam no rei um homem cruel que tudo fez para prejudicar a infeliz irmã... E o reforço dos laços familiares multiplicam-se. Exemplo disto é a escolha de Maria para madrinha do infante D. António, último filho dos reis, nascido a 9 de Março de 1539, que:
  • «foy Baptizado no Hospital de todos os Sanctos, que para isso estava todo armado de mui rica tapeçaria e levou-o a pia o Senhor Infante Dom Duarte e foraõ Conpadres os Senhores Infantes Dom Luiz e Dom Henrique e Comadres [sic] a Senhora Infante Donna Maria Irmaã. de Elrey».
D. Maria foi também a única irmã do rei a acompanhar o casal régio e o seu filho herdeiro na importante visita a Coimbra, realizada no ano de 1550. A visita suscitou grande euforia e a cidade não se poupou a esforços para receber com a maior dignidade os membros da família real. São recebidos na Universidade no mesmo dia em que chegam:
  • «Aos seis dias do mes de nouenbro de -j bc lta (1550) anos saio o Reverendo padre frei diogo de murça Rector, do terreiro dos paços delRei noso Senhor com todos os lentes, doctores, ofiçiaes e generosos, a Reçeber ao mujto alto e mujto poderoso e catolico rrei do yoão o terçeiro [...] que trazia consigo a mujto excelente e muito catolica Sra a Reinha dona caterina sua molher,[...J, e ao prinçipe dõ yoão, seu.fº, e a infante dona mª, sua yrmãa [...]».
O apertado programa de visitas segue pelo dia 8, quando a família real se desloca à capela dos paços, na qual estava reunida toda a Universidade, e onde fora «inventada e concertado» um estrado para que pudessem assistir à missa e à oração de recebimento proferida por Inácio de Morais.

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Antes de partir para o Mosteiro de Santa Cruz, a família real teve ainda tempo para assistir a uma largada de touros oferecida pela cidade. Também o mosteiro se engalanou para os receber, com finos panos e as melhores alfaias que a casa tinha para a celebração dos ofícios. A Infanta assistiu a diversas cerimónias religiosas e às homenagens proferidas pelos frades, viu os dormitórios e o que faziam os seus ocupantes pelo espelho da cela, visitou as oficinas, claustros, enfermarias, os tanques do claustro da Manga e... encontrou numa das celas o seu sobrinho favorito, D. António, o filho natural de D. Luís:
  • «E, depois de jantar se recolheu a rainha com a infanta D. Maria para o interior do mosteiro, e andaram outra vez vendo a casa, e foram á casa dos exercicios ver as violas d’arco e da prensa, [...]. D'ali se foram á cela de f. Antonio, filho do infante D. Luis, e á clausta da Manga, onde merendaram. E d'ali se foram ao coro á completa».
Ao longo do documento há mais referências à presença da Infanta, sempre acompanhada pela rainha; mas o que importa aqui referir é que o texto faz um relato completo dos passos do rei e da rainha onde as ausências da Infanta são constantes. É legítimo pensarmos que a Infanta teria um programa paralelo, visitando os edifícios e encetando conversas com quem queria.

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Nas festas e nos casamentos, a Infanta folgava e dançava o quanto podia, já que o período a que nos reportamos foi farto nestes acontecimentos: logo em 1547, a 5 de Fevereiro, o casamento do duque de Aveiro, D. João, e da filha do marquês de Vila Real, D. Juliana de Lara, em Almeirim.
As festas da boda, que foram relatadas numa carta do cónego da Sé de Lisboa, Braz Luiz da Mota, foram muito concorridas e demoradas, estando presente a mais alta, nobreza, bem como os membros da família real:
  • «…e começaõ o seraõ e dançou loguo ElRey e a Rainha e apoz elle o Infante Dom Luiz com a Infanta Dona Maria e logo os espozados e de hy os mais Senhores que se ahy acharaõ que dururou o seraõ atée qae deo nove horas e dadas ceçou seraõ e recolheose ElRey e a Rainha e todos esses Senhores».
Em 1552, por ocasião do casamento do infante D. João com D. Joana de Áustria, Jorge de Montemor aproveitou para fazer uma descrição hiperbólica da Infanta, dizendo-a “De Portugal, infanta soberana”. No dia22 de Maio de 1565, quando da partida de Maria de Bragança para a sua longa viagem de Lisboa a Bruxelas e Parma, onde conheceria o marido, Alexandre Farnese, despede-se da Infanta logo a seguir à mãe e à rainha. As festas religiosas eram de índole diversa, com especial destaque para as procissões onde as confrarias tinham papel fundamental. A infanta D. Maria não poderia deixar de pertencer a, pelo menos, uma. Num documento datado de 26 de Março de 1534, D. João III institui na sua corte a Confraria de Nossa Senhora da Conceição e dos Bem-Aventurados São Sebastião e São Roque, padroeiros contra a peste, e se fez:
  • «…comfrade da dita comfrarya e asy o principe, meu sobre todos muyto amado e prezado filho [D. Manuel?], e o ifamte dom Filipe e a ifamte dona Maria, meus muito amados e prezados filhos, e a ifamte dona Maria, mynha muito amada e prezada irmãa [...].
A cerimónia de trasladação dos ossos do rei D. Manuel e da rainha D. Maria para o Mosteiro dos Jerónimos, ainda que constituindo um acontecimento excepcional símbolo da legitimação do ramo e descendência de Avis, teve extrema importância para a corte e o rigoroso cerimonial e a solenidade dos eventos que se prolongam por vários dias, apenas o confirmam (34)». In Carla Alferes Pinto, A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT