quarta-feira, 21 de setembro de 2011

António Nazaré Oliveira. Antigas Caldas de Lafões. Termas de S. Pedro do Sul: A Presença de D. Afonso Henriques. Parte V.: «E outras casas existiram, construídas ou melhoradas, para albergar gente de qualidade, especialmente durante as reuniões da Cúria Régia. Além da "Calçada do Paço", existiu também a “Praça do Paço”, designação que se manteve até tarde, pois, em 1889, num auto de arrematação lavrado na Câmara de S. Pedro do Sul…»

Entrada da piscina D. Afonso Henriques.
Desaparecida com o temporal de 1995.
Foto de Edgard Vasconcelos
Cortesia de palimage

A Presença de D. Afonso Henriques
«Se assim fosse, tudo levaria a crer que seriam restos da casa em que se hospedou o Rei. Desconhecemos se essa tradição tem algum fundamento, nem sabemos se tal data lá está ou algum dia lá esteve. E, se assim fosse, teria essa data algo a ver com a presença de D. Afonso Henriques? Que data seria essa?
A verdade é que existiu o Paço, construído ou não para albergar o Rei. O Paço podia até ser a casa que fora do falecido senhor de Lafões, D. Fernando Pedro, casa que poderá ter sofrido obras de adaptação, porventura ampliação, e que até podia ser a mesma que, cinco séculos mais tarde, Pires da Sylva designa por “Casa de D. Joseph”.

E outras casas existiram, construídas ou melhoradas, para albergar gente de qualidade, especialmente durante as reuniões da Cúria Régia. Além da «Calçada do Paço», existiu também a «Praça do Paço», designação que se manteve até tarde, pois, em 1889, num auto de arrematação, que mais adiante analisaremos detalhadamente, lavrado na Câmara de S. Pedro do Sul, fala-se na «antiga rua que da Capella da Senhora da Saude segue para a antiga praça do Paço». Seria, talvez, o Largo já parcialmente ocupado pelo Balneário cuja construção havia começado cinco anos antes e que haveria de tomar o nome de «Rainha D. Amélia».


Edifício do antigo balneário e hospital real das Caldas de Lafões.
Foto de Simão Almeida
Cortesia de palimage

Voltemos a D. Afonso Henriques. Ignoramos como se gerou a peregrina ideia de que o rei se alojou nas Casas da Comenda de Ansemil. É uma fantasia que começa a aparecer repetida, pelo menos em escritos de divulgação e propaganda turística. No número 7 do “Guia do Turismo de Habilação”, p.44, que integrou o “Expresso” de 3 de Julho de 1999, ao tratar-se da Quinta da Comenda, cometem-se dois erros graves, que importa corrigir. Ali se escreve taxativamente:
  • «Aqui [Casa da Comenda] se alojou o Rei D. Afonso Henriques quando se deslocou às Termas de S. Pedro do Sul para se tratar de uma fractura que sofreu numa perna durante a batalha de S. Mamede».
Primeiro erro: D. Afonso Henriques não fracturou a perna na batalha de S. Mamede, que foi em 1128. Era então um jovem de 19 anos e ainda nem era rei. O desastre foi em Badajoz, em 1169, quando o rei já era sexagenário.
Segundo erro: Não tem o mínimo fundamento documental, ou sequer de tradição, a afirmação de que D. Afonso Henriques se haja instalado na Casada Comenda, que, de resto, nada tinha da construção do séc. XVIII que chegou até nós.

A escassez de dados não nos permite conhecer todas as transformações que nas velhas Caldas de Lafões, se terão operado. Mais de oito séculos passados, imaginemos o que terá significado, para a localidade e para a região, a presença demorada do real enfermo, com os seus acompanhantes, toda a movimentação provocada pelas reuniões da Cúria Régia, largamente participadas, como já se viu. Tudo isto, forçosamente, haveria de repercutir na vida do Concelho do Banho e das velhas Caldas de Lafões, que irão alcançar maior desenvolvimento, não só pelas obras de beneficiação que receberam, como pela projecção que lhes iria dar a preferência do 1.º Rei de Portugal.

Cortesia de palimage

O Hospital Real das Caldas de Lafões
Depois de D. Afonso Henriques, o conjunto termal de Lafões vai continuar a ser, durante séculos, o principal centro assistencial da região. Cada vez mais, as suas águas são procuradas por nobres e plebeus, ricos e pobres, que ali buscam alívio para os seus males. Tem-se escrito que por lá terão passado D. Dinis, D. João I e sua mulher, o Duque de Lencastre, D. Duarte e sua mulher, o Infante D. Pedro, o Infante D. Henrique e os Duques de Viseu seus sucessores. Não sabemos se isto é certo quanto a todas estas personagens, mas no que respeita à família de Avis, dada a sua relação com Viseu e com Lafões, é muito natural que, pelo menos, alguns lá tenham estado, de simples visita ou em tratamentos. Com a doação do senhorio de vastos domínios no território da comarca da Beira, feita por D. João I ao Infante D. Henrique, em 1411, e a posterior criação do Ducado de Viseu (1415), o Banho passou a estar profundamente ligado aos príncipes de Avis. Os documentos são claros. Desde logo, no título e no texto da carta de 1411, Lafões é a primeira terra mencionada:
  • «... doaçam da terra e julgado de lafooes e do julgado e terra de besteiros ( ..) E doutras muytas villas julgados concelhos jnsertos nesta carta a jnfante dom amrique».
Pires da Sylva refere um livro velho, que dizia existente na Misericórdia de Vouzela, do qual consta uma escritura que termina:
  • «Joanne Anes Tabaliaõ do Infante D. Henrique em terra de Alafoens a escrevi. Villa do Banho na Casa da Rellaçom, estando ahi em Rellaçom Joanne Affonso, & Valentim Gonçalves, Juizes ordinários».
À morte do Infante D. Henrique, passou o senhorio do Banho aos Duques de Viseu seus sucessores. De imediato, a seu sobrinho D. Fernando, 2.º Duque, herdeiro dos seus bens e títulos. Deste, a seu filho D. João, 3.º Duque, que teve vida efémera e morreu sem descendência, passando o senhorio a seu irmão D. Diogo, o Duque conspirador que morreu apunhalado às mãos do rei». In António Nazaré Oliveira, Termas de S. Pedro do Sul (Antigas Caldas de Lafões), 2002, Palimage Editores, ISBN 972.8575-38-6.

Com a amizade de MR
Cortesia de Palimage/JDACT