Paula Rego, Salazar a Vomitar Portugal, 1960
Cortesia do cvc
O Centro Virtual Camões apresenta a base temática Arte e Artistas em Portugal
Art and Artists in Portugal, uma adaptação Web da obra bilingue homónima com coordenação de Alexandre Melo, lançada pelo Instituto Camões no âmbito da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia em 2007. Esta base temática apresenta uma panorâmica abrangente sobre as artes plásticas em Portugal, desde os anos 60 do Século XX até à actualidade, fornecendo ainda informação biográfica sobre alguns dos autores mais relevantes.
Os Anos 60
«Durante a primeira metade da década apenas a Galeria do Diário de Notícias (Lisboa), a Divulgação (Lisboa e Porto, dirigida por Fernando Pernes), ou ainda na cidade do Porto a Alvarez e a associação de artistas Árvore tinham, timidamente, dado os primeiros passos no comércio de artes plásticas. Só em 1964, com a experiência das galerias-livraria, como a Buchholz e a Galeria III, e depois com o aparecimento de novas galerias já na viragem da década, o novo mercado de arte viria dar um incentivo à prática artística.
Seria, no entanto, necessário esperar pelo regime democrático para romper com uma situação que há muito se mostrava insustentável, mas cuja transformação mais profunda, anunciada pelas rupturas estéticas de muitos artistas da década de 60, só teria as suas consequências culturais mais efectivas, ultrapassadas as agitações pós-revolucionárias, no início dos anos 80.
Apresentando agora um panorama descritivo da produção artística mais assinalável neste período, comecemos por referir, seguindo uma simples ordem cronológica, um conjunto de artistas situáveis no âmbito da pintura e da figuração, embora com trajectórias e opções bem diferenciadas. Joaquim Rodrigo, tendo iniciado a sua carreira no pós-guerra no âmbito do abstraccionismo, elaborou na década de 60 um código sistemático de signos e regras de representação pictórica que não mais abandonou. António Dacosta, surrealista histórico, tendo deixado de pintar nos anos 40, voltaria à actividade na década de 80, com um assinalável cunho de originalidade. Júlio Pomar iniciando a sua carreira nos anos 50, no âmbito do neo-realismo, foi desenvolvendo diferentes modos de trabalhar a figura, o corpo e o movimento no âmbito da pintura. Menez, a partir de paisagens abstractas dos anos 60 aproximou-se depois de uma figuração mítica e narrativa. Paula Rego, partindo das figurações brutalistas da década de 50, foi revolucionando métodos e processos até chegar a uma pintura de ressonância mais clássica em que afirma e reforça um grande poder autoral que lhe trouxe uma plena consagração.
Maria Helena V. Silva, Les Degrés, 1964
Cortesia do cvc
Um outro conjunto de artistas, cuja afirmação pública data do final dos anos 60, caminhou para uma abordagem da pintura a partir de uma análise dos seus elementos formais e estruturais constitutivos. É o caso de Ângelo de Sousa, António Sena, Jorge Martins, João Vieira ou Manuel Baptista. Em causa estão questões como o plano, a luz, a cor, o signo, o risco. Jorge Martins inicia uma investigação sobre a luz e sobre a própria pintura, criando grelhas e pequenos compartimentos onde insere histórias, personagens e objectos, que alterna com a representação de volumes e dobras e com referências ao universo cinematográfico. Manuel Baptista, na sequência de pinturas abstractas de cariz informalista, utiliza diversas técnicas, desde a colagem, relevos e pinturas-objecto de meados dos anos 60 até ao uso da monocromia e das telas recortadas. É neste período que João Vieira descobre a temática central de toda a sua obra: o alfabeto e a plasticidade da palavra, tanto na pintura como em instalações ou performances, com letras-objecto, introduzindo em Portugal os primeiros "happenings", resultado do contacto com Vostell na Malpartida de Cáceres.
Estes trabalhos prolongam-se numa via mais intelectualizada e conceptualizante, por exemplo, em Fernando Calhau, Pires Vieira ou, numa primeira fase da sua carreira, Michael Biberstein. Numa via de confluência com a prática da escrita e a referência à literatura desenha-se o peculiar percurso de Álvaro Lapa.
Lourdes Castro, Caixa de alumínio em caixa de aguarela, 1963
Cortesia do cvc
António Areal é figura de referência na história da arte portuguesa deste período, não só pela sua obra pictórica e escultórica, mas também pela reflexão teórica expressa em publicações como Textos de crítica e de combate na vanguarda das artes visuais (1970). Após uma fase inicial surrealista e gestualista, abordou a relação entre arte figurativa e arte abstracta em pinturas e objectos marcados por preocupações de ordem conceptual. Joaquim Bravo, com formação literária, tal como Álvaro Lapa e António Areal, estende a sua actividade artística à pintura, escultura e desenho, produzindo, nos anos 60, uma assinalável série de esculturas. Um filão reportável ao ambiente pop, entendido em sentido lato - incluindo o "nouveau réalisme" e a "figuração narrativa" - permite-nos citar em conjunto os trabalhos realizados em finais de 60 e começos de 70 por autores como Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, António Palolo ou Eduardo Batarda, que depois evoluíram em direcções bem diferenciadas. Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, Escada e João Vieira, em conjunto com Christo e Jan Voss, formaram, em Paris, o grupo KWY (Ka Vamos Yndo) e lançaram uma revista homónima, cujas soluções estéticas foram apresentadas numa exposição colectiva na Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1960.
Ainda nesta linha pop podemos enquadrar a obra de Ruy Leitão, geralmente sobre papel, de cores vivas, com repetições de elementos, originando um rico e pessoal universo pictórico, que seria interrompido pela sua precoce morte em 1976. António Charrua, após uma fase de tendência expressionista, opta pela associação da cor e formas abstractas». In Alexandre Melo, Centro Virtual Camões.
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