Cortesia de paulocampos
«D. João sentia-se feliz com os filhos. Ele era um valente homem peninsular, trigueiro, forte, enérgico; se nascesse séculos em antes poderia ser, no Herminio, um dos mais astuciosos companheiros de Viriato. Sim, era astuto; ninguém como ele foi mais prudente nos meios de alcançar o que se lhe preparava e que ele tinha em fito; mas o seu desígnio era inabalável e teimava, teimava até conseguir satisfaze-lo. No combater a sua espada era valentíssima, mas os sens golpes caíam pesados e calculados; a espada do Condestável, essa, floreava ao sol das batalhas, com um meneio largo como um voo, tentando librar-se a um ambiente ideal de generosidade. O Condestável foi para ele a alma da sua aclamação como rei; sem o brilhantismo de acção daquele Cavalleiro-modelo, a valentia prudente do bastardo de Aviz seria suplantada e perdida.
E aquela lealdade e aquele valor de Nun'Alvares o Rei nunca esquecera a gratidão bem merecida. Não tivera mais útil servidor, nao tivera mais dedicado amigo. A Rainha D. Leonor Telles dissera dele:
- «ao Mestre de Aviz todos os dentes abanam, excepto um». E tinha razão a ambiciosa mulher de D. Fernando, pois que Nun'Alvares consubstanciava em si toda a lealdade da alma popular.
Por isso ele ficara sempre, na corte e no reino de Portugal, como o protótipo da honra e do valor. Aos filhos
não podia o Rei dar melhor modelo. Se os primeiros monarcas da dinastia de Aviz se esmeravam na educação afectuosa daqueles a quem haviam dado o ser, também estes não lhes podiam mostrar nem mais carinho nem mais gratidão.
Cortesia de guerradarestauracao
São páginas que encantam pelo doce aroma de afectuosidade, que delas se exala, as do «Leal Conselheiro» de D. Duarte, em que se refere o viver dos Infantes de Aviz com os seus progenitores.
Encomendando todos os seus feitos a Deus, eles subordinavam todas as suas acções ao amor que dedicavam a seu pai e rei; se acaso conheciam que alguma coisa lhe desagradava eram todos esforços em anular; solícitos, inquiriam a cada passo do que ele carecia; condescendentes, não tinham opinião de encontro à dele; sinceros, nunca uma só palavra de censura lhe destinaram na ausência; discretos, os seus lábios eram área de qualquer segredo; nunca lhe mentiam; se ele se agastava com qualquer palavra inconsciente ou mal interpretada, eles eram todos, numa ânsia, concordes era pedir-lhe desculpa; tudo o que lhe causasse desgosto era dissimulado; preparavam-lhe festas e torneios para sua distracção; se ele adoecia, acorriam todos a ser seus enfermeiros; com ele trabalhavam, auxiliando-o no despacho da governação; o Rei mandava, sim, mas os requerimentos injustos tinham perante D. João calorosos adversários. Adoravam a Rainha como uma santa; e todos entre si, eram acordes nos mesmos afectos e propósitos.
A sua educação física, como a de todos os mancebos da época, era um aprendizado nos exercícios riscados da caça para os lances dos combates, em que se ganhava a espada ambicionadissima da «sagrada Cavalaria». A caça ou montaria era a predilecta distracção na Idade Média, de todo o que sentia nos braços a valentia e a força. Caçadas perigosíssimas aos ursos e javalis foram o tema de várias «canções de gesta e de fabliaux». Casava-se a galanteria com o perigo; o prémio de quem alcançasse dar morte a um urso, ou conseguisse trazer às mãos um corvo branco, era um beijo nos lábios da mais formosa dama que aparecessc na excursão venatória.
Cortesia de wikipedia
Ser bom caçador era uma das principais qualidades de qualquer nobre ou cavaleiro. D. João na sua adolescência, tendo por aio Nuno Freire de Andrade, ainda parente de sua mãe Tereza Lourenço de Andrade filha de Gil Rodrigues de Valladares, habituara-se com ele as montarias arriscadas ao javardo e ao lobo, e na fadiga desses exercícios dava a elasticidade do aço aos seus músculos sadios e educava o ânimo no labor de perseguir e combater; por isso foi um caçador experimentado, que chegou a compilar várias regras de monteria, em um livro que andava em sua recâmara. E então com os filhos Duarte, Pedro e Henrique e muitas vezes o bastardo Afonso (ou Joao Afonso) percorria, alegre, seguido de seus monteiros e lebreus os montados e tapadas a perseguir o javali e o cervo.
Dava regras aos filhos, ele, que se podia considerar um mestre na arte. A caça grossa deveria ser morta a flecha aguda; as lebres, com um virotão terminado por uma masseta; aos patos bravos devia-se enganar com a armadilha da vaca artificial, como que pastando no relvado das insuas; os lobos tinham de ir cair, famintos, em um cercado, atraídos pelo cheiro de presunto, lá posto no centro, como engodo.
Podia-se comparar D. João I no gosto da monteria a D. Affonso XI, de Castella, que em 1340 fez redigir um Libro de Monteria, inspirado decerto no célebre Livro do Rei Modus, o mais antigo repositório de regras aos confrades de Santo Huberto, bispo de Liege. Caçava-se também com falcões; era o modo predilecto das donas e donzelas irem a monteria; nas suas facanêas, levadas de rédea pelos pagens, elas cavalgavam, armadas de sorrisos, com a preciosa ave em punho, pronta a ser despedida sobre a caça como um virote. Eram estimadíssimos, então, os falcões; os melhores vinham da Suécia, da Islândia, de Marrocos, da Turquia». In Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, G 286, H5A53, Porto, Typografia do Commercio do Porto, 1894.
Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT