N. S. da Conceição, sculo XVIII
Cortesia de votguimaraes
Os milagres de Santo António
«Consta das actas do congresso internacional celebrado por ocasião do 8º centenário do nascimento de Santo António, que teve lugar entre 25 e 30 de Setembro de 1995, uma comunicação de António de Sousa Araújo sob a epígrafe: "Milagres de Santo António nos tempos modernos". Infelizmente, ainda não pude adquirir essas actas e ler, na íntegra, essa comunicação; mas tive acesso a um resumo que apareceu na Internet que nos oferece dados novos sobre a matéria e, sobretudo, sobre a repercussão que teve no nosso meio o chamado "Milagre do Ladrão".
Diz o autor nesse resumo que sempre se fizeram registos de milagres de Santo António, e deles por vezes encontramos vestígios em livros paroquiais, como aconteceu com S. Paio de Eira Vedra, em Vieira do Minho, cujo pároco registou o "milagre que fez Santo António na vila de Guimarães em 29 de Abril de 1710". Trata-se da tentativa de furto então ocorrida na igreja do convento de S. Francisco, episódio conhecido pelo nome de "Milagre do Ladrão".
Constatou o autor que, compulsando as crónicas dos franciscanos Manuel da Esperança e Fernando da Soledade, se observou que, apesar de nesse convento sempre ter existido o culto a Santo António, foram os furtos de 1704 e de 1710, registados pelos citados cronistas, que deram origem ao espectacular incremento da romagem popular à imagem daquele santo venerada nessa igreja conventual, imagem que passou desde então a ser conhecida pelo nome de "Santo António dos Milagres".
Contaram-se por centenas as graças ou milagres conseguidos no curto intervalo de 1710-1715, e registados no "Livro dos Milagres", e deles Frei Fernando da Soledade seleccionou e transcreveu setenta para servir de amostra. Por esse motivo, concluiu o referido cronista, tornou-se o convento de S. Francisco de Guimarães o maior centro de romagem antoniana então existente em Portugal.
Esse afluxo de romeiros, proporcionou ao convento e à irmandade de Santo António um considerável acréscimo de receitas, sem as quais não teria sido possível o azulejamento da capela-mor e paredes anexas do transepto, decoradas com cenas da vida do nosso Santo.
Cortesia de votguimaraes
O Ensino no Convento
A”História Seráfica”, em 1656, dá-nos uma ideia do nível do ensino que havia nos séculos XV, XVI e XVII no convento de S. Francisco de Guimarães.
Diz o cronista Frei Manuel da Esperança:
- "Mais de duas centúrias de annos tivemos escolas públicas, nas quaes se lia Gramática e casos de consciência sem ordenado, estipêndio, ou prémio, senão só o proveito dos discípulos. Eram aulas nesse tempo neste terceiro convento humas casas com porta para o adro, em que hoje se vê a enfermaria, e delas falava a escritura do anno de 1553, pela qual hum guardião, sendo ainda claustral, emprazou a Gonçalo Freire «hüa leira de chão que estaua ó longo do estudo». O mestre era chamado «Doutor», não pelo grau de sciência, mas por razão do offício que tinha de ensinar; e deste nome usou Fernando Afonso Correa, quando no fim do seu testamento de 1405, a 9 do mês de Maio, elegeu executor da capela que tinha instituído. Nomeou em primeiro lugar a mestre Afonso, freire do dito mosteiro, e depois de sua morte a qualquer, "que nelle fosse doutor".
Iconografia - A Sereia
Na Idade Média, houve um género literário que influenciou profundamente a mentalidade dos cristãos. Refiro-me aos «Bestiários», livros escritos em latim ou francês com intenções moralizantes, onde é inculcada a ideia de que o homem pode recolher ensinamentos úteis para a sua salvação em todos os animais que existem na natureza. Esses bestiários descreviam inúmeros animais, muitas vezes exóticos ou fabulosos, de cujas interpretações eram tiradas conclusões morais. Neles se baseiam inúmeras alegorias e simbolismos existentes na arte medieval. Os religiosos que decoravam com iluminuras os livros, tinham assim à sua frente a riqueza e a diversidade da criação divina. Um dos animais fabulosos representados nos «bestiários é a Sereia».
Trata-se de um monstro híbrido com cabeça e busto de mulher que se mostravam inicialmente com corpo de ave. Eram as sereias de tradição grega, uma imagem oriunda do Egipto onde este estranho animal representava a alma separada do corpo. Na Grécia antiga podemos vê-las representadas em inscrições tumulares.
Cortesia de votguimaraes
Nos bestiários franceses, aproveitando uma tradição que já vinha do século VI, aparece a sereia com rabo de peixe, mas não é raro depararmo-nos, lado a lado, os dois tipos de sereias. No imaginário medieval a sereia com rabo de peixe tem uma conotação negativa, simbolizando a sedução feminina, a luxúria e o prazer sexual ilegítimo, o pecado, em suma.
Todas estas considerações vêm a propósito do facto de encontrarmos na igreja do convento de S. Francisco o busto de três sereias. Está representado nos capitéis dos mainéis dos janelões dos paramentos laterais da capela-mor e do transepto. Por serem figuras tão diminutas e colocadas muito acima dos nossos olhos passaram durante muito tempo desapercebidas, até que para elas foi chamada a atenção pela historiadora de arte Maria Dolores Fraga Sampedro que delas tratou em ensaio publicado na Revista de Guimarães. Representam bustos de sereias com cauda de peixe?... é esse o entendimento da autora ao dizer tratar-se de "figuras de las sirenas de cuerpo escamoso". Analisando uma fotografia ampliada, não ficamos tão seguros dessa identificação: o artista tanto pode ter representado o peito das sereias coberto de escamas como coberto de penas, como aparece no capitel de Saint-Benoit-sur-Loíre que Émile Male publicou "L'art religieux du XIIe siècle en France", Paris, 1922.
As Imagens de Roca
Chama-se "imagem de roca" à imagem onde apenas era esculpido o rosto, as mãos e os pés, sendo o resto do corpo constituído por uma armação de madeira que o vestuário cobria. Esta informação vem a propósito de se encontrar presentemente numa das capelas do claustro do convento de S. Francisco um grupo dessas estátuas, estando a ser estudadas para eventuais trabalhos de limpeza, desinfestação e restauro.
Pertencem, segundo se julga, a um grupo de imagens que a partir do século XVII integravam a estatutária «Procissão das Cinzas», de que dispomos de numerosas e interessantes notícias. Não se encontram identificadas, dispondo apenas de uma etiqueta com o número de inventário que nada esclarece, Uma delas é facilmente identificável: trata-se de S. Francisco de Assis, sem calçado, reconhecível pela tonsura monacal e pelas feridas dos estigmas nas mãos e nos pés. Foi produzida por uma bom escultor que conseguiu dar à figura uma expressão simples e piedosa como convém ao Santo Patriarca. Notável é também o tratamento das mãos e dos pés onde se vêem perfeitamente desenhados os vasos sanguíneos». In Fernando José Teixeira, Belmiro Jordão, Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de Guimarães, Agenda Franciscana, Ano V, 6, Junho de 2006.
Cortesia de VOT de S. Francisco/JDACT