D. Maria Francisca
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«Não deve, claramente, estar na índole deste trabalho de ordem diferente a análise patológica da complexa personalidade do rei, para o que, de resto nos falece competência. Somente por tal estudo científico poderiam ser explicadas as intimidades do desgraçado monarca com as variadas amantes que lhe atribuem.
Voltando à rainha, (essa duquesa esbelta, em cujas veias escaldava o sangue dos Nemours, dos Vendôme e dos Sabóias que a bela Gabriela d'Estrées polvilhara com a mais fina essência das suas aventuras amorosas, trazia fama de devasse e até de ser um poucochinho herege, consoante a moda francesa.
Compreende-se que a sua súbita retirada para o formoso mosteiro da Esperança, retirada efectuada de motu-próprio ,ou, como alguns querem, induzida pelo príncipe D. Pedro, fosse realizada com o fim de, por tal modo, se evitarem os excessos de ira do soberano, que não excluiriam, pelo menos, era de ter disso receio as ofensas físicas na pessoa de D. Maria Francisca quando esta lhe anunciasse o desejo de anular o casamento.
Conde de Castelo Melhor
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A precaução não foi inútil. O monarca, na realidade, ao receber a carta da mulher em que ela o avisava da firme disposição de regressar a França e lhe pedia a restituição do dote que trouxera, teve uma violentíssima crise de nervos, desordenada, num destrambelhamento de louco. Não dominando o arrebatamento, dirigiu-se, sem demora, ao convento da Esperança, cujas portas, que encontrou solidamente trancadas por ali temerem o desatino real, tentou despedaçar. Dentro, as pobres freiras sofreram tremendíssimo susto e todas as pessoas que presenciaram a descontrolada reacção dos nervos de Afonso VI não estavam menos atemorizadas.
Isto foi em 2l de Novembro de 1667. E neste mesmo ano, alguns meses depois do seu fracassado casamento, foi que o rei se viu compelido a demitir o seu grande ministro Conde de Castelo Melhor, a única personalidade da corte e do Governo que, por aventura, lhe poderia sustentar a coroa na cabeça. Afastando-o do Governo, embora por imposição, o monarca promovia a sua própria queda. Para isso trabalhava ardilosamente o irmão, no seu palácio de Queluz, onde mantinha uma autêntica corte.
Afonso VI
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A esse tempo já a corte se dividia em dois partidos distintos e por igual apaixonados pelas causas que defendiam:
- Pró e Contra o Rei;
- Pró e Contra a Rainha.
Aproveitando a maré, quem sabe mesmo se provocando-a atrevidamente, este reinado foi dos mais obscuros da História portuguesa, havendo, por isso, muitas hipóteses e poucas certezas, o irmão do rei, Pedro, já com entendimentos amorosos com a cunhada. D. Maria Francisca, segundo se acredita, preparava inteligentemente o golpe que havia de o levar ao trono e herdar, juntamente, a repudiada e bela rainha.
Há a convicção generalizada de que a ambiciosa atitude dele haja tido por base a paixão incestuosa, senão criminosa, por ser humana, que a cunhada despertara nele. Com evidente hipocrisia, o príncipe (os dois irmãos parece que não se toleravam mutuamente!) no dia seguinte ao da entrada da rainha no convento, ofereceu-se ao soberano para ir tentar uma conciliação.
Sabe-se que a entrevista dos dois cunhados foi absolutamente secreta e que durou (uma tarde inteira, estando ambos fechados durante esse tempo, a sós, nos aposentos dela. Horas mais tarde, informando Pedro a Afonso que D. Maria Francisca se recusara categoricamente a voltar à corte e que tinha intenção de seguir para França, «visto ele, Afonso, não ter consumado o casamento», o rei destravou-se (em termos indecentes, afrontosos para a dignidade da esposa, pretendendo dissimular a sua manifesta impossibilidade física)». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.
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