Cortesia de myopera
Sonetos
I
Vós, que d'amor cruel nunca sentistes
o fogo onde grão tempo ardi tremendo,
que mil erros notais, estou já vendo,
na lição triste destas rimas tristes.
Mas em vós, que vos vedes, ou já vistes
em sua viva chama ardar ardendo,
desculpa, e piedade achar entendo
de quantas faltas nelas descobristes.
Dos mais por satisfeito me darei,
se deste vão trabalho (o que duvido)
colherem fruto algum, ou passatempo.
E quando assi for, bem sofrerei,
até de vós, não ser bem recebido,
em pena de tão mal gastado tempo.
II
Aqui de largos males breve história
lede vós, desamados amadores,
que para dar alívio em vossas dores
das minhas quis deixar esta memória.
Escrevi não por fama, nem por glória,
de qu'outros versos são merecedores,
mas por mostrar o mal dos meus amores
a quem neles de mim teve vitória.
Por tempo foi a dor crescendo tanto,
que já de ser mui grande me moveo
a descobrilla em rimas pobres d'arte.
Dei logo olhos a choro, língua a pranto,
a mão sem uso à pena, qu'escreveo
de mil partes, da minha só parte.
Diogo Bernardes, in «Rimas Várias - Flores do Lima», 1596
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