sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Manuel Cadafaz Matos. Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI: «Neste contexto, e admitindo que só nas cidades de Faro, Lisboa e Leiria actuassem, numa primeira fase, […] e consequentemente as edições daí resultantes, passassem a conhecer uma significativa penetração em relação ao interior do país, presumivelmente entre 1488 e 1495»

Cortesia de arquivodaudecoimbra

Da difusão da bibliografia de inspiração judaica (e cristã) neste período
«E se, a edição do Pentateuco de Faro, há mais de meio milénio, constitui a primeira obra editada em caracteres hebraicos no nosso país, a edição do Séfer Aburdaham, ou seja «Novas da Lei ou Comentários sobre o Pentateuco, de Moisés ben Nahamana é, na opinião de Pina Martins, «o primeiro livro impresso na capital portuguesa em caracteres hebraicos».

NOTA: O único exemplar que se conhece do ‘Pentateuco’ é segundo Amzalak o que se encontra depositado no «British Museum», Londres. Sobre esta edição trabalhámos na capital britânica nos anos setenta, altura em que formulámos a edição de a divulgar em edição facsimilada por altura do quinto centenário. Também Leão Fernandes, «O Livro e o Jornal em Goa», in Boletim do Instituto Vasco da Gama, Pangim,1935-1936, capº l, Introdução, p.44, refere, a tal propósito, conhecer que «o único exemplar conhecido guarda o British Museum, de Londres».

Marque (ou não) essa edição o início de uma venturosa época - porém de não muito longa duração, de intensa actividade dos impressores hebraicos em Portugal, sabemos que ela se expandiu entre nós na década de 1487-97 por diversos outros pontos do país.

Cortesia de wikipedia

Assim, e mesmo que em 1489 (pelo testemunho de Pina Martins), ou porventura em 1488 (a confirmar-se a hipótese de Rosemarie Erica Horch em relação ao ‘Sacramental’) já laborassem em Portugal tipografias com caracteres em língua portuguesa como a de Chaves, é facto provado que neste período a tipografia hebraica conhecia já uma significativa fase de implantação entre nós.
Assim, se Faro se orgulha de ter sido o berço da primeira obra, em caracteres hebraicos de que (até agora) há notícia na História da Imprensa no nosso país, Leiria foi testemunho, em 1496, da publicação do ‘Almanack perpetuuz celestius motuus’.
Foi esta obra escrita pelo judeu e astrólogo Abraão Zacuto, destacada figura na corte de D. Manuel.

Neste contexto, e admitindo que só nas cidades de Faro, Lisboa e Leiria actuassem, numa primeira fase, essas mesmas tipografias hebraicas, somos levados a concluir que da região dita do litoral tais técnicas, e consequentemente as edições daí resultantes, passassem a conhecer uma significativa penetração em relação ao interior do país, presumivelmente entre 1488 e 1495. Nesse modelo de penetração ‘técnico-cultural’ desempenharam, em particular, um decisivo papel, a um ‘nível endogômico e a um nível exogâmico’, três intervenientes precisos:
  • -o rico comerciante judaico;
  • - o almocreve (inicialmente ligado, também, ao culto judaico);
  • - e o aristocrata em viagem.
Quanto ao «rico comerciante judaico», esse indivíduo (ou grupo) está associado, em nosso ver, à importação das primeiras «impressoras», rudimentares, já se vê. Ele estava motivado, antes do mais, pela mira do lucro. A introdução do «novo» aliciava-o a agir nesse sentido, com as «portas» verdadeiramente franqueadas.
Um lugar não menos decisivo ocupou, então, sobretudo num contexto de ruralidade, o almocreve. Era ele, e alguns estudos de especialistas como Humberto Baquero Moreno atestam nesse sentido, o grande elo de ligação inter-comunitária, ligando espaços rurais a espaços rurais, ou espaços urbanos a espaços rurais e vice-versa.

Cortesia de wikipedia

O almocreve, para além dos produtos de comércio (utilitário-domésticos) que transportava, designadamente azeite, tecidos, botões ou, ainda, novas técnicas como o fogão de barro, uma forma primitiva de tesoura e agulhas, etc. - é também um elemento intermediário e de propaganda, difusão ou ‘contágio’. Não era ele, apenas, que transportava as «novas», (notícias) como também divulgava o conceito de «novo», ao nível das novas técnicas surgidas.

NOTA: Os judeus (não é apenas uma lenda) tiveram uma particular preponderância em negócios no Reino e, também, na benéfica introdução de novas técnicas, designadamente no que respeita à tipografia e ao primeiro fabrico de papel. Nesta época de transição da Idade Média para o Renascimento, a arte tipográfica, e outras formas de Arte, contribuíram, ao que é sabido, para a introdução do ideal do Renascimento no nosso país. Importaria, a nosso ver, estudar hoje em detalhe o que concerne à introdução no nosso país dessas mesmas técnicas científicas e artísticas.

Somos levados a admitir, desta forma, que o almocreve desempenhou também um papel decisivo no que respeita à chegada à aldeia, à micro-comunidade regional, da espécimes bibliográficos (mesmo que ele fosse analfabeto, como em muitos casos, se não mesmo a sua esmagadora maioria, se verificava). A ‘cultura da escrita’ sobrepunha-se, assim, a essa arcaica ‘cultura oral-empírica’. Esta última muito tardaria a ser suplantada dada a falta de amplas medidas tendentes à alfabetização popular, em termos percentuais, o que só neste século, em certa medida, principiou a atingir índices menos gritantes (embora, naturalmente, ainda não satisfatórios)». In Manuel Cadafaz Matos, Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI, Publicação do Arquivo da Universidade de Coimbra 1986.

Continua
Cortesia do Arquivo da Universidade de Coimbra/JDACT