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Gabrielle de Strées
Amante de Henrique
IV, morreu em 1599. Sabe-se que ela tentou casar com o rei. Estava grávida pela
quarta vez, e vivia na casa de Zamet, famoso homem da finança... Quando
passeava no jardim, teve um grave ataque de coração. Passou uma má noite, e no
dia seguinte foi acometida de tão assustadoras convulsões que ficou completamente
negra e a sua boca torceu-se tanto que ficou na nuca. Expirou no meio de
grandes tormentos e horrorosamente desfigurada... Várias pessoas atribuíram ao
diabo este acto caridoso. Diziam que o diabo a estrangulara para evitar um
escândalo e mais incómodos.
E o que faremos, madre
Abadessa, que faremos?
Não houve pão para
nós à mesa dos homens.
Se todos os corpos
fossem para casamento, baixaria
A valorização do
dinheiro, equilibra-se a procura
Com o convento,
enfeita-se no bordel o tédio
Para uso. Sem
senhores, nem cavaleiros, nem
Bordel, nem convento.
Os homens
Dividem-se em homens
E senhores. Mas das
mulheres todos os homens
São senhores. Nas
casas
De senhores, e
homens,
E cavaleiros,
damos-lhe o sentido porque opostamente
Se definem. Damos-lhe
o alicerce e a espessura; fora
Destas casas
erraremos. Nenhuma casa
É nossa. Ninguém é
nosso irmão ou irmã. De irmandade
Só o convento. De
solidariedade
Ninguém, casadas e
vendidas de nós próprias.
Não houve pão para
nós à mesa dos homens.
Cecília
Pelos meados do
século dezasseis, uma mulher chamada Cecília atraiu as atenções em Lisboa.
Possuía a arte de modular a sua voz de tal forma que esta parecia sair do seu
cotovelo, às vezes, outras vezes dos seus pés, ou ainda de um sítio que seria
impróprio nomear. Ela mantinha uma conversa com um ser invisível..., que
respondia a todas as suas perguntas. A mulher foi reputada de bruxa e de
possessa do diabo; contudo, como graça especial, em lugar de ser queimada, foi
apenas exilada para sempre na ilha de S. Tomé, onde morreu em paz.
E o que faremos, Madre Abadessa,
que faremos?
Dir-te-ei que faremos com corpo
E com cavaleiro. Nossa paixão
será o corpo
E exercício o mundo, e objecto
O cavaleiro. Nosso corpo forte
Ao cavaleiro daremos, à noite,
mas o corpo
Do cavaleiro tomaremos. A troca
Será rompida na madrugada.
Diremos Cavaleiro, quero o meu
corpo para que eu possa
Seguir o meu dia. Chamar-te-ão
Amazona. Mas não corras
O mundo até ao inferno. No
convento
Amarás o cavaleiro. E disso darás
testemunho
E pedirás justiça. Na casa de
cavaleiro marido
Amarás cavaleiro amante. E disso
darás
Testemunho, e pedirás justiça
E dar-te-ão convento. No bordel
dirás
Tenho fé no Senhor, e amarás
Um cavaleiro. Tremerão os
alicerces
Do convento. Que o cavaleiro
corra
Do convento ao bordel, e daí
À sua casa, sem nunca te
encontrar
A ti fugida na tua paixão».
In
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas
Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN
978-972-204-011-2.
Cortesia
PdQuixote/JDACT