Paris
«(…) Considerava-se
frequentemente que a água que deles se tirava tinha virtudes curativas e era
utilizada no tratamento de certas doenças. Abbon, no seu poema sobre o cerco de
Paris pelos Normandos, refere vários factos que atestam as maravilhosas
propriedades da água do poço de Saint-Germain-des-Prés, existente ao fundo do
santuário da célebre abadia. De igual modo, a água do poço de Saint-Marcel, em
Paris, escavado na igreja, perto da pedra tumular do venerável bispo,
revelava-se, segundo Grégoire de Tours, um poderoso específico de várias doenças.
Existe ainda hoje, no interior da basílica ogival de Notre-Dame de Lépine
(Marne), um poço miraculoso, chamado Puits de la Sainte-Vierge e no meio do
coro de Notre-Dame de Limoux (Aude), um poço análogo cuja água, diz-se, cura
todas as doenças; possui esta inscrição:
Omnis qui bibit hanc aquam, si fidem addit, salvus
erit. Quem beber desta água, se o fizer com fé, terá saúde.
Teremos brevemente
ocasião de referir-nos novamente a esta água pontica, a que os filósofos deram numerosos nomes mais
ou menos sugestivos. Diante do motivo esculpido que traduz as propriedades e a
natureza do agente secreto, vamos assistir, no contraforte oposto, à cocção do composto filosofal. O artista,
desta vez, vela pelo produto do seu labor. Revestido da armadura, as pernas
protegidas por grevas e o escudo no braço, o nosso cavaleiro encontra-se
acampado no terraço de uma fortaleza, a julgar pelas ameias que o rodeiam. Num
movimento defensivo, ameaça com a lança uma forma imprecisa (um raio de luz? um
feixe de chamas?) que infelizmente é impossível identificar, tão mutilado está
o relevo. Atrás do combatente, um pequeno e bizarro edifício, formado por um envasamento
circular, ameado e apoiado em quatro pilares, rematado por uma cúpula segmentada de
chave esférica. Sob o arco inferior, uma massa aculeiforme e flamejante dá-nos
a explicação do seu destino. Este curioso torreão, fortaleza em miniatura, é o
instrumento da Grande Obra, o Athanor,
o forno oculto das duas chamas, potencial e virtual, que todos os discípulos
conhecem e que numerosas descrições e gravuras contribuíram para divulgar.
Imediatamente acima destas
figuras estão reproduzidos dois temas que parecem formar o seu complemento. Mas
como o esoterismo se esconde aqui sob aparências sagradas e cenas bíblicas,
evitaremos falar deles, para não incorrermos na censura de uma interpretação arbitrária.
Grandes sábios, entre os mestres antigos, não tiveram receio de explicar alquimicamente
as parábolas das santas Escrituras, cujo sentido tão susceptível é de diversas interpretações.
A Filosofia hermética invoca frequentemente o testemunho do Génesis para servir
de analogia ao primeiro trabalho da Obra; muitas alegorias do Velho e do Novo Testamento
adquirem um relevo imprevisto ao contactarem com a alquimia. Tais precedentes deveriam,
simultaneamente, encorajar-nos e servir-nos de desculpa; preferimos, no
entanto, limitar-nos exclusivamente aos motivos cujo carácter profano é
indiscutível, deixando aos investigadores benévolos a faculdade de exercerem a
sua sagacidade sobre os restantes.
Os temas herméticos
do estilóbato desenvolvem-se em duas fileiras sobrepostas à direita e à
esquerda do pórtico. A fila inferior comporta doze medalhões e a fila superior
doze figuras. Estas últimas representam personagens sentadas em pedestais
ornados de estrias de perfil ora côncavo, ora angular, e colocados no intercolúnio
de arcadas trilobadas. Todas apresentam discos guarnecidos de emblemas
variados, referindo-se ao labor alquímico. Se começarmos pela fila superior, do
lado esquerdo, o primeiro baixo-relevo mostra-nos a imagem do corvo, símbolo da
cor negra. A mulher que
o tem nos joelhos simboliza a Putrefação.
Que nos seja permitido determo-nos um instante sobre o hieróglifo do Corvo, porque ele esconde um
ponto importante da nossa ciência. Exprime, efectivamente, na cocção do Rebis filosofal, a cor negra,
primeira aparência da decomposição consecutiva à mistura perfeita das matérias
do Ovo. É, no dizer dos
Filósofos, a marca certa do futuro sucesso, o sinal evidente da preparação exacta
do composto. O Corvo é,
por assim dizer, o sinal canónico da Obra, como a estrela é a assinatura do
tema inicial». In Fulcanelli, 1926, Le Mystère des Cathédrales, 1964, O Mistério das
Catedrais, Interpretação Esotérica dos símbolos herméticos, Edições 70, 1975,
Lisboa, Colecção Esfinge.
Cortesia
de E70/JDACT