(1927-1996)
Lisboa
Cortesia de virtualiaomanifesto
Presídio
Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?
E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...
É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio
vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
David Mourão-Ferreira
O Corpo Os Corpos
O teu corpo O meu corpo E em vez dos corpos
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corpos
Que escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corpos
Não indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corpos
que no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos
David Mourão-Ferreira
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