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O Painel de São Vicente de Fora é um obra composta por 6 painéis, criada essencialmente pelo pintor português Nuno Gonçalves entre 1470 e 1480. Pintura a óleo e têmpera sobre madeira e está no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa.
Uma obra-prima da pintura portuguesa do século XV na qual, com um estilo bastante seco mas poderosamente realista, se retratam figuras proeminentes da corte portuguesa de então, incluindo o que se presume ser um auto-retrato, e «atravessa» toda a sociedade, da nobreza e clero até ao povo. A autoria desses painéis, foi descoberta por José de Figueiredo.
Investigações recentes, nomeadamente de Jorge Filipe de Almeida levam a concluir que os painéis foram pintados realmente por Nuno Gonçalves, cerca de 1445 e representam não S. Vicente, mas o funeral simbólico do Infante Santo.
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O Painel do Infante é um dos 6 que constituem os Painéis de São Vicente de Fora, de Nuno Gonçalves. Erradamente apelidado «Painel do Infante» pela imagem do falecido D. Duarte, mais tarde confundido com o Infante D. Henrique, retratado como o «Cavaleiro de Roxo» no Painél dos Cavaleiros, este painel representa a «queda» da Casa de Avis e a tomada do poder por D. Afonso V.
A imagem central reveste-se de mistério. Pensa-se representar S. Vicente, retratado noutros quadro do mesmo autor, contudo a simbologia presente não se adequa a tal personagem religioso, nem a nenhum outro! Para alguns, representa «Portugal», ou seja, a essência espiritual da nação. Nas mãos, carrega um livro religioso cujas palavras carregam a autoridade de Deus que é investida na figura que ante ele se ajoelha.
D. Duarte, filho de D. João I que lhe sucederia no trono, foi um rei político de renome. Protegido pela Casa de Aviz e por seu pai, sofreria destino diferente dos seus irmãos D. Pedro (Casa de Coimbra) e D. Henrique (Casa de Viseu). Cresceu como um político, pouco dado às coisas da guerra, conforme retratado na sua postura serena, chapéu flamengo na cabeça, realçando as ligações políticas de Aviz a Borgonha, onde se casaria a sua irmã, a «Sibila» Infanta Isabel. A sua imagem viria a ser tradicionalmente identificada como a do Infante D. Henrique ao longo dos séculos.
Ajoelhando-se perante a imagem central, está o jovem e garboso Afonso V, assumido Rei aos 14 anos, rejeitando a regência do seu tio D. Pedro. As suas políticas levaram à Batalha de Alfarrobeira (onde seu tio morreria), depois alcançaria a glória em, África, ganhando o cognome de «O Africano»; por fim perder-se-ia nas guerras intestinas de Castela, tentando colocar a «Beltraneja» no trono para acabar semi-derrotado na batalha de Toro.
Em oposição a D. Duarte, seu esposo. De véu branco, a falecida Leonor de Aragão que, após falecimento do esposo D. Duarte, tentaria tomar o poder em Portugal, prontificando a revolta popular que recordava ainda Aljubarrota, que culminaria na liderança do regente D. Pedro após expulsão da Rainha para Castela.
Rainha Isabel de Coimbra. Em oposição a D. Afonso V, seu esposo. Filha de D. Pedro, é a figura mais enigmática do painel.
As suas mangas são assimétricas:
- uma ajustada ao braço, a outra rasgada e disforme, que se pensa representar a desfloração virginal ou a dilatação necessária ao nascimento do seu filho, futuro João II;
- estes braços afastam as vestes vermelhas para revelar roupa de cor verde (a cor de seu pai no Painel dos Cavaleiros, e do seu filho neste mesmo painel), numa alusão aos genitais femininos e ao sacrifício da sua virtude pelo futuro da nação Portugal.
D. João II, criança. Entre D. Duarte, seu avô, e D. Afonso V, seu pai, está uma criança também vestida de verde, barrete composto preso por botões, uma de duas figuras com barretes compostos, nos paineis; sendo a outra a simetricamente oposta: D. João II já homem, no «Painel do Arcebispo».
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Uma Manga Diferente da Outra
De todas as incongruências do políptico, nenhuma como esta revela tão claramente a intencionalidade do pintor. O exame das pequenas reproduções dos painéis que se encontram em livros ou no desdobrável do Museu de Arte Antiga, não é muito esclarecedor porque uma das mangas da mulher de vermelho é um pouco cortada, já que os painéis são quase sempre ligeiramente amputados nas reproduções e, mais uma vez, o pintor aproveita os seus limites extremos para disfarçar a sua mensagem.
O que o visionamento directo revela é o seguinte:
- a manga do vestido vermelho próxima do limite esquerdo do painel é completamente diferente da outra, não de forma que possa ser atribuída a alguma moda conhecida ou artifício de representação artística, mas de uma maneira gritante que implica a proposta de adivinha ou charada:
- a primeira manga é apertada, a segunda frouxa;
- a primeira sugere um vestido novo e bem confeccionado, a outra sugere o contrário de forma enfática. O efeito da manga frouxa é extraordinariamente sublinhado pela forma como pende do ombro e se afeiçoa mal ao braço da figura que a enverga.
A diferença entre as duas curiosas mangas de um mesmo vestido é reforçada perto dos pulsos e pelo anel de pelo que cinge uma delas.
Como interpretar tudo isto?
Nunca, em época alguma, se confeccionaram vestidos apertados de um lado e frouxos do outro, ou novos de um lado e usados do outro, e é exactamente essa a impressão que as mangas vermelhas transmitem.
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Um Livro Descontínuo
A fascinante particularidade do livro central é a de poder ser lido, mas não como um livro normal onde as páginas obedecem a uma sequência realista. Enquanto os outros 2 livros (um fechado, debaixo do braço da figura que ocupa o ângulo superior direito do painel do Arcebispo; outro ilegível nas mãos da figura vestida de negro do painel da Relíquia) parecem ser simples emblemas para caracterizar as figuras que os exibem. O livro central contém elementos que apontam numa direcção diferente.
A representação de livros nas mãos dos seus leitores e voltados para os mesmos é vulgar na pintura do séc. XV. Os fragmentos de linhas em latim pertencentes a páginas diferentes são igualmente pouco usuais: as duas primeiras páginas que deveriam ser contínuas não o são, e a terceira mostra uma sequência evanescente de caracteres que parece enquadrar-se bem na hipótese da charada: se o pintor se dá ao trabalho de ocultar em parte as duas primeiras páginas para nos mostrar uma dezena de palavras parcialmente legíveis da terceira, isso pode ser interpretado como um convite à decifração do todas elas.
A explicação habitualmente avançada para explicar o carácter díspar das duas primeiras páginas, que deveriam de qualquer modo ser sequenciais, é a de se tratar de um missal. O desejo de fugir às «especulações» é de tal ordem que, por vezes, nem sequer se concebe que um livro puramente imaginário, com trechos escolhidos pelo pintor, é perfeitamente admissível na tese vicentina ou em qualquer outra. Quase apetece perguntar se alguém acredita que o modelo para a figura central tenha sido o próprio S. Vicente (ou algum dos seus émulos na hagiografia dos painéis) em pessoa...
A primeira página provém do Evangelho de S. João (14, 28-31), e indicamos, para melhor compreensão do seu sentido, o equivalente em português (da Bíblia de João Ferreira de Almeida) da passagem latina:
- 1ª Página «...o Pai é maior do que eu. Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis. Já não falarei muito convosco, porque se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em mim; mas é para que o mundo saiba que eu amo o Pai, e que faço como o Pai me mandou».
- 2ª Página «...Domine, Sancte Pater, om//nipotens aeterne Deus: per Christum Dominum// nostrum. Qui ascendens super om//nes caelos, sedensque ad dexte//ram tuam, promissum Spiritum// Sanctum (hodierna die) in filios// adoptionis effudit. Quapropter p//rofusis gaudiis, totus in orbe terrarum// mundus exsultat. Sed et supernae Vir//tutes atque angelicae Potestates// hymnum gloriae tuae concinunt, si//ne fine dicentes: sanctus...».
A conclusão é que não se trata exactamente de um missal, como é vulgar afirmar-se. Trata-se de um livro imaginário, e que não está lá apenas para que a sua leitura crie uma ambiência vaga: está lá para ser decifrado como engrenagem precisa e central da charada, ostensivamente exibida como um desafio ao observador.
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Uma Figura Desactualizada
O homem do chapéu negro, usualmente identificado com o infante D. Henrique, é o mais conhecido rosto, não só dos painéis ou do séc. XV português, mas de toda a história nacional. Pretendemos de momento salientar apenas um elemento à primeira vista algo incongruente da representação dessa figura: parece ter havido uma intenção de a mostrar, numa época em que se usavam sobretudo os cabelos compridos, bem como barretes do tipo que figura nos painéis, com o corte de cabelo curto e rectilíneo e o chapeirão dito «borgonhês» que conheceram a sua maior voga alguns anos antes. O nosso registo visual da moda no vestuário do séc. XV é, naturalmente, muito mais centrado nas iluminuras e pinturas oriundas da Borgonha ducal, de França ou de Inglaterra, que de Portugal, mas o que se pode ver nos painéis acompanha bem, et pour cause, o que se sabe dessa moda.
Limitamo-nos, por agora, a apontar o aspecto «diferente» da figura do homem do chapeirão em relação às outras e a notar o seguinte:
- a explicação das diversas modas masculinas visíveis no políptico através da atribuição de épocas diferentes à execução de cada painel, não faz muito sentido, porque elas coexistem claramente no painel do Infante.
A conclusão a que apontamos – a menos que a pintura do dito painel tenha sido interrompida durante anos, é que as modas (sobretudo os cortes de cabelo) de diferentes períodos veiculam, como tantos outros aspectos dos painéis, uma informação intencional». In Painéis de S. Vicente de Fora.
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