segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Carolina Michaelis de Vasconcelos: Estudos «Sobre o Romanceiro Peninsular, romances velhos em Portugal». Introdução, Parte I


Cortesia de 1ciuc

Com a devida vénia à University of Toronto, presented to The Library by Professor Milton Buchanan of the Department of Italian and Spanisn, 1906-1946, publicados en la Revista Cultura Española, Madrid, 1907-1909 (478053/24.8.48)
Aos futuros e definitivos apuradores do Romanceiro Geral Hispano-Português, Ramón Menéndez Pidal, Maria Goyri de Menéndez Pidal e José Leite de Vasconcellos.

Estudos sobre o Romanceiro Peninsular
Romances velhos em Portugal

Introdução

É colhendo da tradição oral as composições narrativas em octonários (ou senários) duplos, assonantados, que ainda hoje se cantam, mais como acompanhamento de fainas agrícolas do que no ócio dos dias santos e de festa, nas diversas terras onde se fala a suave língua de Camões, que os Portugueses continuam a colaborar na reconstrução definitiva do admirável Romanceiro Hispânico.

Cortesia de pinheiromario.wordpress

Falta todavia uma coisa para fazer frutificar este labor: a solidariedade indispensável com os eruditos que em Hespanha estão trabalhando na magna empresa, com suma perícia e grande felicidade, bom método scientífico e critério elevado e sagaz. Os progressos surprendentes que além das fronteiras se fizeram, no último decénio, neste ramo de estudos, passaram quasi despercebidos (1) entre noa queixa a que os Portugueses podiam, infelizmente, replicar, dizendo que também os escritores castelhanos não estão ao facto de tudo quanto aqui se passa.
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(1) Claro está que T. Braga não desconhece a obra de Milá y Fontanals, nem a de Menéndez y Pelnyo e dos irmãos Menéndez Pidal (I). Ramón e 1». Juan), nem tao pouco os trabalhos de Caston Paris c Alfr. Jeanroy. Mas, acostumado a caminhar só, sem dar ouvidos á critica, não lhes liga a importância devida nem
abandona o seu ponto de vista, estrictamente português. Acolhe, factos innegáveis; regeita, porém, as consequências, sempre que elas suo contrárias às próprias ideias.
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As obras principaes em que os iniciadores do movimento folklórico em Portugal e seus sucessores imediatos reuniram de 1851 a 1883 as relíquias preciosas de um passado longínquo, ora com profundo sentimento artístico, sanando arbitrariamente defeitos de memoria, ora recolhendo com rigorosa fidelidade sem pestanejar textos lastimosamente deturpados durante a transmissão secular, sem o dispêndio suficiente de
esforços pertinazes para encontrar um relator mais bem dotado - os Romanceiros portanto de Almeida-Garrett, Teófilo Braga, Estácio da Veiga, Victor Hardung, Rodríguez de Azevedo, Sílvio Romero, foram aproveitados modernamente com generoso carinho pelo sapientíssimo reeditor da Primavera y Flor de Romances, tanto nos Apêndices com que aumentou consideravelmente a colecção fundamental de Wolf, como no Tratado magistral que lhe serve de comentário.

Cortesia de dicionario.babylon
O genial continuador da obra crítica de Milá y Fontanals não recorreu comtudo aos materiaes que, de 1883 em diante, foram acumulados em cancioneiros musicaes e em revistas folklóricas, literárias, e filológicas, ou já agrupados em colecções restrictas, mas independentes.
Esta lacuna será, por certo, preenchida pelo seu continuador D. Ramón Menéndez Pidal, o futuro reconstructor e historiador do Romanceiro Geral Hispânico, isto é: de todos os textos, verdadeiramente antigos e dos tradicionaes sobreviventes que d'eles derivam, em tição castelhana, portuguesa, catalã, ou híbrida, quer no continente ou nas ilhas oceânicas e mediterrâneas, quer além-mar, nas terras descobertas, conquistadas e povoadas por Hespanhoes e Portugueses, quer entre os Judeus de Levante e de Marrocos, expulsos da Península na época da maior eflorescência dos romances.

Cortesia de iplb
Verdade é que temas velhos e profanos, ainda não representados na tradição oral, não são frequentes nos aludidos materiaes suplementares. O apregoado sabor arcaico, e aquela pureza genuína que a princípio surprendia e encantava os apreciadores estrangeiros, iludidos pelos romances que Almeida Garrett havia retocado com gosto tão delicado, deixaram também de ser o característico real e privativo dos romances de cá: tantas são as versões e variantes incompletas e rebaixadas, desconexas e deturpadas, quanto à forma e à essência; tantas e de tal ordem são os vulgarismos modernos que se infiltraram nos textos; tal é também a contaminação e fusão com assuntos análogos. Tão perfeitas e abundantes são, pelo outro lado, as versões castelhanas, recolhidas recentemente com arte e habilidade digna de aplauso, em regiões onde ninguém as suspeitava, em parte já publicadas integralmente, em parte só catalogadas, em parte prometidas para breve.

Cortesia de jpnicicomup
Mas ainda assim, os textos suplementares de Portugal são contribuições de grande valor, pois constituem mais de uma vez o laço, procurado de balde, entre diversas redacções do mesmo romance, e demonstram frequentemente ad oculos como é que a gente-povo deteriora e vulgariza verdadeiras  obras de arte, sempre que imo haja circunstâncias peculiares que as preservem do estrago.
Dentro em breve será, comtudo, fácil para os estrangeiros, estudá-los comparativamente, visto que Teófilo Braga acolhe todas as lições até hoje impressas, e mais algumas inéditas, na nova edição do seu Romanceiro Geral Portuguez (duas vezes maior que a primeira). Um volume já saiu.
Bom seria que todos os folkloristas aproveitassem este ensejo para revistar os seus cadernos, e imprimissem as parcelas que ainda são novidade, se p. ex. o Sr. José Daniel Rodríguez não tardasse em tornar público os romances brigantinos que teve a bondade de me mandar mostrar, ha pouco, e se em regiões ainda mal exploradas se procedesse a investigações metódicas, para de vez se esgotar o assunto.

Cortesia de UofT
Não é de romances tradicionaes, tornados portugueses por direito de conquista, e por ora desatendidos em Castela, que vou ocupar-me agora, num como apêndice às lúcidas observações compendiadas na Antologia. Nem falarei das numerosas frases-feitas, de origem épica que são neles empregadas amiude, quási mecanicamente, como lugares-comuns. Nem tão pouco tratarei dos motivos mais complexos, em regra de carácter lírico, que caíram em graça e vaguearam e vagueiam soltos, desprendidos também de romances velhos, (a que originariamente pertenceram, segundo opiniões autorizadas), sendo aplicados pela musa popular a casos afins ou opostos, ora como parte integrante, ora como mero incidente decorativo, e algumas vezes transformados em cantigas. Tudo quanto se relaciona directamente com taes textos portugueses de hoje fica de reserva.

Pequenos trechos de romances castelhanos, citados em castelhano (mais ou menos castiço), ou traduzidos por autores quinhentistas e seiscentistas de Portugal, que os intercalaram como intermezzo musical em peças teatraes, ou os aproveitaram como enfeites, nessas e em outras obras literárias; alusões singelas a assuntos, situações ou protagonistas determinados; arremedos (contrafacões = contrahechuras) de alguns romances muito sabidos; trovas e glosas de composições inteiras, ou de fragmentos de romances; paródias burlescas; o emprego proverbial de nomes-proprios e de hemistíquios-alocutivos; finalmente, algumas aneedotas que se ligam a esses romances velhos—eis o tema de que me ocupo.

Cortesia de livrossumeria
Encaro essas notas como outros tantos documentos do gosto com que os Portugueses haviam acolhido, no século XV e em princípios do imediato (não só por causa da música, comquanto a essa caiba seguramente parte muito considerável na sua aceitação) as canções narrativas, chamadas castelhanas por antonomasia, porque são a criação e manifestação mais perfeita da heróícaalma peninsular. Da difusão que palacianos ilustrados lhes deram nos reinados de D. João II, D. Manuel, D. João III e D. Sebastião, tirarei no fim conclusões sobre as fontes d'onde provinham, o modo provável como transmigraram, e sua progressiva nacionalização. Quanto às conjecturas, nem sempre novas, que junto, sobre a parte que os Portugueses teriam na elaboração, não de romances heróicos, mas dos épico-líricos sobre temas universaes, bem sei que ainda precisam ser muito ponderadas e ventiladas, antes de serem reconhecidas como plausíveis.

Continua.
Com a amizade de Paulo Campos.

Cortesia de University of Toronto, presented to The Library by Professor Milton Buchanan of the Department of Italian and Spanisn  
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