Cortesia da academiaportuguesadahistoria
Para uma biografia de Vasco Esteves de Gatuz
Em busca de certos Vasco Esteves
«O homem que ficou, por longo tempo, conhecido como Vasco Esteves de Gatuz faleceu, segundo alguns autores, logo no início do século XV. Segundo outros, terá morrido no terceiro quartel do século antecedente. Apesar desta divergência, há, sem dúvida, acordo em que a sua vida decorreu, fundamentalmente, durante o século XIV, o que através deste nosso trabalho se verá confirmado.
Para biografar Vasco Esteves de Gatuz temos, à partida, um nome estranho. Vasco e o patronímico Esteves são vulgares na antroponímia medieval portuguesa. Quanto ao sobrenome alatinado «Gatuz», é extremamente rarro, se não único, na época.
Quando procuramos investigar o que foi a sua vida, apercebemo-nos, em breve, de que em Portugal foram muitos os indivíduos que no referido século tiveram o nome de Vasco Esteves, o que dificulta em extremo a tarefa. De boa parte deles, a memória ainda subsiste em documentos escritos, como sejam, os registos das chancelarias régias, as crónicas medievais e os documentos avulsos coevos.
Nos livros de registo das chancelarias de D. Afonso IV, D. Pedro I e D. Fernando encontramos alguns a beneficiar de disposições várias. Com D. Afonso IV (1325-1357), é um vizinho de Muje, em 1328. Se passarmos a D. Pedro I, em cujo reinado (1357-1367) o nosso Vasco Esteves sem dúvida viveu, verificamos que nos registos reformados da respectiva Chancelaria se referem vários, a saber:
- um nomeado alcaide do castelo de Évora (1357-06-06);
- um clérigo apresentado à igreja de S. João de Monsarás (1363);
- um Vasco Esteves de Ferreira (1357);
- outro dito de Serpa (1361).
Armas dos Gatachos
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A Chancelaria de D. Pedro revela ainda que, em tempo del-rei D. Dinis (1279-1325), a aldeia de Liofrei, povoação depois chamada Lufreu, na honra de Farinha Podre, julgado de Penacova, terá pertencido a um Vasco Esteves e à sua linhagem.
Do reinado de D. Fernando (1367-1383), a Chancelaria regista, pelo menos, dois Vasco Esteves apresentados a igrejas do Bispado do Porto e, além desses, um a quem o rei afora «hua meia acenha» em termo de Vila Viçosa, «na ribeira de Pardiellas», em 1375, outro que estava casado, em 1378, com Domingas Gonçalves e recebia, por aforamento, um olival no lugar da Rapada, em termo de Santarém e, e ainda outro que, em 1380, era alcaide pequeno de Loulé.
Quanto aos Vasco Esteves do reinado de D. João I (1385-1433), desnecessário é falarmos aqui, já que a cronologia os exclui, por tardios, da identificação procurada.
Outros contemporâneos e de igual nome se juntariam, muito provavelmente, aos já mencionados, se dispuséssemos ainda de todos os livros primitivos das chancelarias régias do século XIV. Infelizmente, mais de meia centena destes livros já não existe, por precipitada decisão e falta de sensibilidade histórica. Não obstante, temos memória, como se disse, de mais Vasco Esteves do século XIV através de outras fontes. É o caso, por exemplo, das crónicas medievais. Ilustremos a asserção com citações de Fernão Lopes.
Armas de Vasco Gatuz, no túmulo na Igreja de S. Francisco.
Estremoz
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O muito louvado cronista, ao escrever a Crónica de D. Pedro I, não cita qualquer Vasco Esteves. Mas, na sua «Chronica do Senhor Rei. D. Fernando Nono Rei de Portugal, refere um que, em 1369, traiu os homens de Çadavi e, um pouco mais tarde, «foi enforcado em uma ameia do muro» respectivo. O cronista igualmente cita Vasco Esteves de Molles, um dos «cavaleiros» que, após o levantamento do cerco a Guimarães por Henrique de Castela e a retirada deste para os seus domínios, acompanharam Gonçalo Mendes de Vasconcelos, quando o rei de Portugal D. Fernando o mandou partir para Elvas, como fronteiro desta praça.
O estabelecimento, fundamentado, de uma identidade entre algum dos Vasco Esteves acima citados e Vasco Esteves de Estremoz mostra-se impossível, Na verdade, este não foi, como veremos, vizinho de Muje ou da região, não foi clérigo, nem designado por de Ferreira ou de Serpa. Não consta que tenha estado envolvido nas lutas entre Portugal e Castela e, pela cronologia e pelo património posterior, é difícil admitir que lhe tenha pertencido a aldeia de Liofrei. Além do exposto, em 1378 não estava casado com Domingas Gonçalves, no termo de Santarém, como teremos ocasião de provar.
Se disséssemos, por exemplo, que ele foi alcaide-mor de Évora em 1357, isso seria, pelo menos, prematuro, dado que a súmula da Chancelaria, de tão sucinta, não permite uma conclusão a tal respeito». In Mário Alberto Nunes Costa, Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz, Academia Portuguesa da Historia, 1993, ISBN 972-624-094-8.
NOTA:
Vasco Esteves, aquele a quem o rei D. Pedro I entregou em 1357 o castelo de Évora, teve-o durante menos de dois anos. Em 1359, Janeiro, 2, o rei, por carta que estava, como a de Vasco Esteves, por extenso em livro da Chancelaria Régia, mas que hoje conhecemos apenas em súmula, mandou entregar o castelo a João Fernandes Cogominho, também seu vassalo (ANTT-Chancelaria de D. Pedro I, livro 1, fl. 40v). João Fernandes Cogominho foi cavaleiro (ANTT -Chancelaria de D. Pedro I, livro 1, fl.4). E o seu antecessor? Cavaleiro também ou escudeiro, como Fernando Álvares o era, ao receber em 1359 (Outubro, 4) o castelo de Elvas? (ANTT -Chancelaria de D. Pedro I, livro 1, fl. 39v). A súmula do registo relativo a Vasco Esteves é omissa a tal respeito, mas será de interesse sabê-lo.
Cortesia da AP da Historia/JDACT