terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Afonso VI. Um Monarca Infeliz. «Espoliado da mulher, do trono e da liberdade. «Os seus numerosos defeitos morais, junto à atitude arredia que, logo nos primeiros dias, tomou em relação à esposa, não foram de molde a conquistar as boas graças de D. Maria Francisca, não obstante os esforços por ela despendidos para cumprir os seus deveres conjugais»

Cortesia de purl e wikipedia

«Tinha o rei, então, estatura proporcionada de agradável presença, pele alva, olhos azuis, natiz perfeito, cabelo loiro e comprido, e era senhor de assinalável memória, segundo as descrições que dele ficaram. Físicamente, e apesar de claudicar, não seria, portanto, antipático. Só depois, mais tarde, engordando excessivamente, se tornaria pesadão e mole.

Os seus numerosos defeitos morais, junto à atitude arredia que, logo nos primeiros dias, tomou em relação à esposa, não foram de molde a conquistar as boas graças de D. Maria Francisca, não obstante os esforços por ela despendidos para cumprir os seus deveres conjugais.
Parece que não estava o rei animado de tão boas disposições, porquanto, poucos dias após a chegada da rainha a Portugal, instando alguém com D. Afonso VI para que exercesse as suas obrigações de esposo, «prorrompeu el-rei, nosso senhor, chorando muitas lágrimas, dizendo que o queriam matar, pois o constrangiam a fazer o que ele não podia obrar».

Breve, por conseguinte, os dois esposos se afastaram um do outro, irremissivelmente, criando-se um estado de antipatia mútua, que, transpirando da câmara real, provocaria escândalo em toda a corte e críticas risonhas em todos os palácios. Vendo-se repudiada nos belos encantos femininos, com que a natureza a prodigalizara, é provável que D. Maria Francisca, mulher acima de rainha, e mulher orgulhosamente bonita, ferida no seu amor-próprio, não se mostrasse insensível às atenções e amabilidades do cunhado, D. Pedro, este ambicionando, possivelmente, já então, ocupar o trono, pelo alijamento do irmão mais velho, e, forçoso é reconhecê-lo, menos capaz.


D. Maria Francisca
Cortesia de livrariaul

Sendo um poço de doenças, desde a paralisia, passando por uma hérnia aquosa até uma precoce obesidade, porventura originada noutros males, um autêntico frangalho que arrastava penosamente os seus achaques, também D. Afonso carecia de inteligência e de força moral para se opor, numa luta aberta ao irmão, pessoa normal e enérgica, perspicaz e sensata. Não é, assim, de admirar a extraordinária facilidade com que o monarca foi afastado do poder, quase sem oposição sua, nem de ninguém, dado que o seu mais desvelado amigo, o Conde de Castelo Melhor, fora afastado da governação, por intrigas do príncipe D. Pedro.

Diz-se que o soberano dormia demasiadamente levantando-se muito tarde quando acaso de levantava. Frequentemente, na realidade comia as refeições na cama, com horários irregulares. Indigestões consecutivas eram o corolário deste pernicioso hábito.
E, se era grande dorminhoco, não era menor comilão, deixando a perder de vista os mais famosos glutões do tempo. Quando ia à mesa para comer não fazia a coisa em menos de duas horas, após o que não demorava a meter-se de novo na cama. E se comia!? Imagine-se: Tinha por dia duas opíparas refeições, com que envergonharia Pantagruel. Além da grande quantidade de vinho que ingeria, deglutia três arráteis de túbaras de carneiro, dois frangos, dois pombos, uma galinha e uma enorme torta como sobremesa.

Cortesia de maltezinfo

Não era por moda na época tão copiosas refeições que ele assim procedia; o seu insaciável apetite, a sua gala voraz, eram os principais responsáveis por tais comezainas de empanturrar. Daí, do sedentarismo e ócios da sua vida, a sua inaptidão viril e a abundante adiposidade que criou, apesar das profusas sudações em que o corpo permanentemente se lhe banhava. Cresceu-lhe disformemente a barriga, e as pernas engrossaram-1he por igual, de forma espantosa. Estas atingiram tal grossura que não podiam calçar meias de linho. Para se ter urna ideia da existência deste pobre monarca, acrescente-se a isso a vida irregular que ele fazia, ao que nos informa um trabalho científico de J. Pires de Lima e A. Pires de Lima.
  • «Passava muitas noites em ignóbeis orgias, e, uma vez, por engano, foi ofendido por um desconhecido, que o feriu, sem suspeitar da alta categoria do seu adversário. Foi em Azeitão. El-rei puxou da espada contra três homens, que replicaram brandindo armas iguais. O rei, de botas e esporas, inferiorizado pelas suas, lesões dos membros direitos, caiu de costas, ferido com as ,bolsas testiculares atravessadas por dois golpes».
O seu modo de viver contribuiu, inegavelmente, para que, aos 20 anos, ou pouco mais, não conseguisse mover-se, sem grande cansaço e sempre a transpirar, como se fosse um velho inútil». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.

Cortesia de Livraria Clássica Editora/JDACT