terça-feira, 6 de dezembro de 2011

D. Afonso II. As Infantas. As Primeiras Leis Escritas. «Os historiadores relacionam as Cortes de Coimbra de 1211 com a publicação de um importante conjunto de leis que constitui a mais antiga legislação portuguesa. Apenas se pode considerar certo que essas leis são do reinado de D. Afonso II e que talvez foram publicadas em vários ensejos»

Cortesia de slideshare

A guerra civil de 1211-1216. As primeiras leis escritas
«Toda a primeira metade do século XIII é preenchida por violentos conflitos que têm na sua base antagonismos de classes e que vão durar quase ininterruptamente, até à conquista do poder por D. Afonso III, em 1248. O curto reinado de D. Afonso II (1211-1222) foi, do princípio ao fim, um combate contra as classes privilegiadas. Os principais aspectos dessa luta são: a guerra civil de 1211-1216, os conflitos com o alto clero e a publicação de uma extensa e vigorosa legislação contra os abusos da nobreza e do clero.

A guerra civil teve origem no testamento de D. Sancho I. Este legava às infantas certos bens que incluíram as povoações acasteladas de Alenquer e Montemor-o-Velho. As infantas consideraram que lhes pertencia toda a autoridade sobre as terras herdadas, incluindo o exercício das prerrogativas soberanas. O rei entendia que a deixa testamentária não tinha o efeito de amputar aquelas terras do conjunto do reino e que, portanto, sobre elas devia exercer-se a autoridade real. As infantas viram a sua causa apoiada por uma grande parte da nobreza. De Castela vieram nobres descontentes que por lá andavam homiziados. O rei de Leão colocou o seu exército ao serviço da rebelião da alta nobreza portuguesa. A situação de D. Afonso II chegou a ser muito difícil; o exército real foi destroçado e parece que Coimbra (cidade que tinha funções de capital) chegou a ser ocupada pelo partido nobre. O rei refugiou-se em Guimarães. Foi durante a fase mais viva do conflito que se verificou a expedição portuguesa a Navas de Tolosa, o que privou o rei do apoio das milícias municipais, que se sabe terem estado presentes naquela batalha em grande número e onde se bateram com bravura.
A intervenção do papa Inocêncio III trouxe a D. Afonso II a solução que, pelas armas, não conseguiu impor. Solução que era apenas uma semivitória: o rei teve de indemnizar as infantas com quantias muito elevadas pelos prejuízos que a guerra causara nas terras, que lhes pertenciam, a guarnição dos castelos revoltados foi confiada aos cavaleiros templários (que dependiam do papa), as infantas obtiveram a garantia de que os rendimentos das terras lhes fossem entregues, mas triunfou o princípio de que era ao rei que competia exercer ali as funções soberanas.

Cortesia de slideshare

Também as questões com o clero atingiram grande violência. A política real tendia a limitar progressivamente as imunidades de que o clero gozava: imposição da justiça real ao pessoal da Igreja, exigência de trabalho nas obras régias aos moradores de terras pertencentes a mosteiros e às igrejas, anulação de doações e de outras aquisições de bens. A questão da «colheita» fez estalar o conflito latente. A colheita era uma prestação de géneros alimentícios destinada à sustentação do rei e da sua casa e que era exigida sempre que o rei se encontrasse numa povoação. A prerrogativa tinha importância prática, porque o rei e a sua pequena corte andavam constantemente de terra em terra. Mas tinha sobretudo importância política, porque significava que o rei era rei em qualquer parte do território, ainda que este gozasse de imunidades tributárias por pertencer à Igreja ou aos nobres.
Isto explica a energia com que o arcebispo de Braga defendeu a tese de que as terras do arcebispado não deviam pagar a colheita.
A questão agravou-se e o prelado excomungou o rei. O rei mandou as milícias dos concelhos de Coimbra e de Guimarães invadirem as terras do arcebispo e destruírem celeiros, vinhas e sementeiras. A questão complicou-se ainda por uma invasão de tropas de nobres pela fronteira norte, para devastarem as terras do rei. Mais uma vez a solução da questão foi submetida ao papa, mas o assunto arrastou-se e ainda estava por resolver quando, em 1212, o rei morreu. Foi-lhe por isso recusada sepultura cristã.

A luta contra a tendência para o feudalismo laico e eclesiástico traduziu-se ainda num conjunto de providências legislativas. A ‘lei de desamortização’ (a primeira de uma série que continuaria nos reinados seguintes) proibiu a compra de bens imóveis pelas ordens religiosas. As ‘inquirições’ eram inquéritos efectuados por comissões de funcionários régios que se deslocavam de terra em terra e através dos quais se averiguava qual a situação jurídica das propriedades e qual o fundamento das imunidades e dos privilégios que os respectivos proprietários se arrogavam. As ‘confirmações’ eram actos de validação de doações e de privilégios concedidos em reinados anteriores, validação só concedida ou por mercê do rei ou depois de examinados os documentos comprovativos do acto a confirmar.

 
Cortesia de slideshare

Estes procedimentos administrativos, usados todos pela primeira vez por D. Afonso II, vieram a revelar-se, nos reinados de D. Afonso III, D. Dinis e D. Afonso IV, instrumentos muito eficazes de defesa dos direitos da coroa contra as usurpações constantes dos membros das classes privilegiadas. Logo no início do seu reinado, D. Afonso II reuniu em Coimbra uma assembleia de prelados, magnates e outros nobres. São as primeiras cortes de que chegou até nós notícia escrita e, por isso, se tornou usual considerá-las as primeiras cortes portuguesas. Mas a reunião de cortes era uma tradição que vinha da monarquia visigótica e cuja persistência se pode documentar na monarquia leonesa, desde o século X; eram reuniões da cúria régia, isto é, dos barões com ofícios régios, dos grandes nobres, dos governadores de terras, com prelados e membros da família real. Todas essas personagens aparecem mais de uma vez a assinar conjuntamente diplomas da chancelaria de D. Afonso Henriques, o que obriga a admitir que reuniões desse género se verificaram desde o primeiro reinado.
Os historiadores relacionam as Cortes de Coimbra de 1211 com a publicação de um importante conjunto de leis que constitui a mais antiga legislação portuguesa. Apenas se pode considerar certo que essas leis são do reinado de D. Afonso II e que talvez foram publicadas em vários ensejos. O sentido geral das providências é a protecção dos bens da coroa, a proibição de abusos dos funcionários régios e a garantia das liberdades individuais. A intenção da protecção das classes populares contra as prepotências dos poderosos está bem patente em algumas delas: por exemplo, a proibição de os grandes adquirirem géneros por valor inferior ao real, como por «mau costume de antigo soía ser», em todo o reino, ou a permissão de que todo o homem livre viva com quem lhe aprouver, ou a proibição de que os cavaleiros tomem o que pertencer aos vilãos. O preâmbulo desta última lei é o seguinte:
  • «Porque a nós pertence de fazermos mercê aos mesquinhos e de os defendermos dos poderosos …».
In José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Publicações Europa América, 1995.

Cortesia de Europa América/JDACT