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A anarquia senhorial e a revolução de 1245-1247
«A energia com que a coroa mantivera a luta contra as forcas feudalizantes provocou a reacção senhorial logo que Afonso II morreu (1223).O novo rei, Sancho II, era ainda criança; os barões tomaram para si o poder e exerceram-no tumultuosamente. A anarquia política reflecte-se nos documentos:
- falta completa de legislação escrita,
- falta de registos na chancelaria régia,
- cessação da exigência das confirmações e das inquirições,
- referências a frequentes guerras privadas.
As Cortes reuniram, durante todo o reinado, apenas uma vez; em 1229, em Coimbra, e essa reunião está associada à intervenção de um legado pontifício que veio a Portugal tentar aplacar conflitos e restabelecer a ordem. De alguns forais consta expressamente terem sido concedidos por conselho desse legado papal. Alguns bispos, nobres descontentes e representantes das populações dos concelhos apresentaram queixas em Roma, nas quais a situação interna do País é descrita como de uma completa anarquia e violência. Em consequência dessas queixas, o papa Inocêncio IV retirou o governo ao monarca português e confiou-o a um irmão mais novo. D. Afonso, conde de Bolonha, que vivia desde há muitos anos em França. Antes de se dirigir a Portugal, D. Afonso assinou em Paris, na presença dos bispos portugueses que tinham saído do País, um compromisso segundo o qual se obrigava não só a respeitar as imunidades da Igreja, mas a guardar a todas as comunidades e concelhos, cavaleiros e povos os bons costumes e foros escritos e não escritos que vinham do tempo de seu avô e bisavô.
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Desembarcou em Lisboa sem qualquer exército, mas obteve o imediato apoio da população da cidade. D. Sancho não acatou a decisão do papa e preparou-se para resistir pela força. A luta prolongou-se por dois anos; uma parte considerável da nobreza apoiava D. Sancho, mas as populações das vilas tomaram o partido de D. Afonso. Em vários casos foram os moradores das vilas que tomaram os castelos, expulsando dali os alcaides fiéis ao rei deposto.
A mais antiga fonte narrativa destes acontecimentos, a ‘Crónica de 1419’, mantém ainda vestígios do carácter dessa guerra civil, que tem aspectos comuns com a que, nos finais do século seguinte, levaria ao trono o mestre de Avis:
- «...tão grande prazer houveram as gentes quando o conde entrou em Portugal, entendendo que por ele seriam relevadas de todas as trubulações em que eram postas, que muitas das vilas e lugares que hi haviam se lhe davam de boamente». E noutro passo: «El-rei D. Sancho não era benquisto dos povos».
"Este volume publica uma das fontes cronistas mais importantes para o conhecimento da nossa Idade Média, sendo precedida por um primoroso estudo crítico do editor. Adelino de Almeida Calado, ao apresentar o texto desta crónica que foi escrita em 1419, revela como preparou a sua edição começando por referenciar a tradição manuscrita, isto é, as características dos códices quinhentistas da Biblioteca Pública Municipal do Porto (que veio de Coimbra) e da Casa Cadaval apenas descobertos e publicados no século XX, nos quais se copiou uma crónica cujo original entretanto se perdeu. Nestas páginas compreendemos a génese e a estrutura do texto, bem como as questões em torno do título que a obra teria tido e quem seria o seu autor. Estes assuntos têm sido alvo de controvérsia e, por isso, compreende-se uma necessária prudência. Pensamos, contudo, que essa prudência não deva talvez ser impeditiva de ter como hipótese mais provável que estejamos perante um trabalho realizado por Fernão Lopes para o então Infante e depois rei D. Duarte, o qual poderá até ter colaborado na sua redacção, conhecidos que são os seus interesses intelectuais e gosto pela história. A admissão de tal possibilidade é tanto maior quanto o autor desta obra afirma categoricamente, numa passagem relativa à conquista de Lisboa aos mouros, que iria abordar o assunto das muralhas desta cidade na crónica do rei D. Fernando, da autoria de Fernão Lopes. O método de fixação do texto a partir da versão do códice Cadaval é devidamente explicado e podemos assim avançar seguros para um regresso a um passado que recua até aos tempos do conde D. Henrique e vai até ao reinado de D. Afonso IV. Um excelente exercício para o leitor atento é observar como os cronistas manuelinos Duarte Galvão e Rui de Pina trabalharam os textos destas crónicas e, retocando-os, os apresentaram como seus, tendo estes por sua vez sido copiados e adaptados por Duarte Nunes de Leão quando em 1600 os publicou na ‘Primeira parte das crónicas dos reis de Portugal(...)’. In Adelino Almeida Calado, Crónica de Portugal de 1419.
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Os dramáticos acontecimentos da guerra civil originaram tradições e ecos literários. Entre as mais conhecidas lendas está a do alcaide de Coimbra, que só teria entregado o seu castelo depois de D. Sancho morrer e de, simbolicamente, lhe entregar as chaves. É uma simbolização da ética feudal, que se deve aproximar das numerosas referências dos cancioneiros e nobiliários as inúmeras traições dos alcaides dos castelos. Uma outra tradição muito significativa é a que relaciona com a revolução a figura meio real, meio lendária de Frei Gil de Santarém, que teria sido um dos religiosos que entregaram a D. Sancho a bula que o depunha do trono. Segundo essa lenda, Frei Gil, que assinou em França um pacto com o Diabo, veio depois a ser santo, Santo para o partido que venceu, Diabo para o que foi vencido.
Outro vestígio da crise é a mudança então feita na bandeira real de Portugal:
- o escudo com as cinco quinas foi rodeado por uma faixa vermelha bordada de castelos. Era essa a bandeira feudal que o Conde de Bolonha devia usar em França, as quinas aludiam à ascendência real portuguesa, os castelos significavam o parentesco com a rainha regente de França, Branca de Castela. Esse guião feudal, usado durante a guerra civil para se distinguir da do rei passou a ser, com a vitória do Bolonhês, a bandeira nacional.
O triunfo da revolução representou o regresso à linha política de aliança entre o rei e as classes populares, unidos na luta contra a pressão sempre crescente das classes privilegiadas». In José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Publicações Europa América, 1995.
continua
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