quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sancho II. Anarquia Senhorial. A revolução de 1245-1247. «… tão grande prazer houveram as gentes quando o conde entrou em Portugal, entendendo que por ele seriam relevadas de todas as trubulações em que eram postas, que muitas das vilas e lugares que hi haviam se lhe davam de boamente». E noutro passo, El-rei D. Sancho não era benquisto dos povos».

Cortesia de purl

A anarquia senhorial e a revolução de 1245-1247
«A energia com que a coroa mantivera a luta contra as forcas feudalizantes provocou a reacção senhorial logo que Afonso II morreu (1223).O novo rei, Sancho II, era ainda criança; os barões tomaram para si o poder e exerceram-no tumultuosamente. A anarquia política reflecte-se nos documentos:
  • falta completa de legislação escrita,
  • falta de registos na chancelaria régia,
  • cessação da exigência das confirmações e das inquirições,
  • referências a frequentes guerras privadas.
As Cortes reuniram, durante todo o reinado, apenas uma vez; em 1229, em Coimbra, e essa reunião está associada à intervenção de um legado pontifício que veio a Portugal tentar aplacar conflitos e restabelecer a ordem. De alguns forais consta expressamente terem sido concedidos por conselho desse legado papal. Alguns bispos, nobres descontentes e representantes das populações dos concelhos apresentaram queixas em Roma, nas quais a situação interna do País é descrita como de uma completa anarquia e violência. Em consequência dessas queixas, o papa Inocêncio IV retirou o governo ao monarca português e confiou-o a um irmão mais novo. D. Afonso, conde de Bolonha, que vivia desde há muitos anos em França. Antes de se dirigir a Portugal, D. Afonso assinou em Paris, na presença dos bispos portugueses que tinham saído do País, um compromisso segundo o qual se obrigava não só a respeitar as imunidades da Igreja, mas a guardar a todas as comunidades e concelhos, cavaleiros e povos os bons costumes e foros escritos e não escritos que vinham do tempo de seu avô e bisavô.

Cortesia de revelarlx

Desembarcou em Lisboa sem qualquer exército, mas obteve o imediato apoio da população da cidade. D. Sancho não acatou a decisão do papa e preparou-se para resistir pela força. A luta prolongou-se por dois anos; uma parte considerável da nobreza apoiava D. Sancho, mas as populações das vilas tomaram o partido de D. Afonso. Em vários casos foram os moradores das vilas que tomaram os castelos, expulsando dali os alcaides fiéis ao rei deposto.
A mais antiga fonte narrativa destes acontecimentos, a ‘Crónica de 1419’, mantém ainda vestígios do carácter dessa guerra civil, que tem aspectos comuns com a que, nos finais do século seguinte, levaria ao trono o mestre de Avis:
  • «...tão grande prazer houveram as gentes quando o conde entrou em Portugal, entendendo que por ele seriam relevadas de todas as trubulações em que eram postas, que muitas das vilas e lugares que hi haviam se lhe davam de boamente». E noutro passo: «El-rei D. Sancho não era benquisto dos povos».
"Este volume publica uma das fontes cronistas mais importantes para o conhecimento da nossa Idade Média, sendo precedida por um primoroso estudo crítico do editor. Adelino de Almeida Calado, ao apresentar o texto desta crónica que foi escrita em 1419, revela como preparou a sua edição começando por referenciar a tradição manuscrita, isto é, as características dos códices quinhentistas da Biblioteca Pública Municipal do Porto (que veio de Coimbra) e da Casa Cadaval apenas descobertos e publicados no século XX, nos quais se copiou uma crónica cujo original entretanto se perdeu. Nestas páginas compreendemos a génese e a estrutura do texto, bem como as questões em torno do título que a obra teria tido e quem seria o seu autor. Estes assuntos têm sido alvo de controvérsia e, por isso, compreende-se uma necessária prudência. Pensamos, contudo, que essa prudência não deva talvez ser impeditiva de ter como hipótese mais provável que estejamos perante um trabalho realizado por Fernão Lopes para o então Infante e depois rei D. Duarte, o qual poderá até ter colaborado na sua redacção, conhecidos que são os seus interesses intelectuais e gosto pela história. A admissão de tal possibilidade é tanto maior quanto o autor desta obra afirma categoricamente, numa passagem relativa à conquista de Lisboa aos mouros, que iria abordar o assunto das muralhas desta cidade na crónica do rei D. Fernando, da autoria de Fernão Lopes. O método de fixação do texto a partir da versão do códice Cadaval é devidamente explicado e podemos assim avançar seguros para um regresso a um passado que recua até aos tempos do conde D. Henrique e vai até ao reinado de D. Afonso IV. Um excelente exercício para o leitor atento é observar como os cronistas manuelinos Duarte Galvão e Rui de Pina trabalharam os textos destas crónicas e, retocando-os, os apresentaram como seus, tendo estes por sua vez sido copiados e adaptados por Duarte Nunes de Leão quando em 1600 os publicou na ‘Primeira parte das crónicas dos reis de Portugal(...)’. In Adelino Almeida Calado, Crónica de Portugal de 1419.

Cortesia de coisasdomx

Os dramáticos acontecimentos da guerra civil originaram tradições e ecos literários. Entre as mais conhecidas lendas está a do alcaide de Coimbra, que só teria entregado o seu castelo depois de D. Sancho morrer e de, simbolicamente, lhe entregar as chaves. É uma simbolização da ética feudal, que se deve aproximar das numerosas referências dos cancioneiros e nobiliários as inúmeras traições dos alcaides dos castelos. Uma outra tradição muito significativa é a que relaciona com a revolução a figura meio real, meio lendária de Frei Gil de Santarém, que teria sido um dos religiosos que entregaram a D. Sancho a bula que o depunha do trono. Segundo essa lenda, Frei Gil, que assinou em França um pacto com o Diabo, veio depois a ser santo, Santo para o partido que venceu, Diabo para o que foi vencido.

Outro vestígio da crise é a mudança então feita na bandeira real de Portugal:
  • o escudo com as cinco quinas foi rodeado por uma faixa vermelha bordada de castelos. Era essa a bandeira feudal que o Conde de Bolonha devia usar em França, as quinas aludiam à ascendência real portuguesa, os castelos significavam o parentesco com a rainha regente de França, Branca de Castela. Esse guião feudal, usado durante a guerra civil para se distinguir da do rei passou a ser, com a vitória do Bolonhês, a bandeira nacional.
O triunfo da revolução representou o regresso à linha política de aliança entre o rei e as classes populares, unidos na luta contra a pressão sempre crescente das classes privilegiadas». In José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Publicações Europa América, 1995.

continua
Cortesia de Europa América/JDACT