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Herculano perante a Regeneração
«Até 1850 Herculano, sob a capa da neutralidade política, evitou definir ostensivamente a sua posição perante o “Cabralismo”. Herculano era em 1836 anti-setembrista, e dera ao Cartismo o seu mais conhecido manifesto político com “A Voz do Profeta”. Mas apoiara a Constituição de 1838, espécie de compromisso entre o ‘Cartismo’ e o ‘Setembrismo’. O tumulto militar que restaurou a ‘Carta’ chocou certamente o seu enraizado civismo. Alguns dos seus melhores amigos militam activamente, na imprensa e na rua, contra uma ditadura de facto que se tornava cada vez mais opressora e arbitrária.
Para compreendermos a neutralidade de Herculano não devemos esquecer que ele era empregado do Paço (Director das bibliotecas reais da Ajuda e das Necessidades), e que o Paço foi favorável ao “Cabralismo” pelo menos até 1850.
É neste ano que Herculano dá o primeiro sinal de oposição pública ao regime, assinando na primeira linha um protesto de intelectuais contra uma lei que restringia a liberdade de imprensa, que ficou conhecida pelo nome significativo de “Lei das Rolhas”. Esta mudança de posição de Herculano relaciona-se com uma alteração importante que entretanto se dera no xadrez político.
Cortesia de wikipedia
No seu regresso do exílio, Costa Cabral para fortalecer a base política da situação associara ao poder o marechal Saldanha que outrora pertencera à esquerda liberal, ao lado dos irmãos Passos e depois se voltara contra o Setembrismo. Entre os dois ambiciosos surgiram as inevitáveis rivalidades, e cada um esforçou-se por eliminar o outro; Cabral levou a melhor, e Saldanha acabou por ser demitido dos próprios empregos que tinha no Paço. Esta rivalidade vinha prender-se a um outro conflito que se esboçava entre dois grupos da situação vigente; o dos extremistas impelidos pela auto-defesa a recorrer a meios cada vez mais violentos e a abolir de facto a legalidade constitucional, e os cartistas moderados que não queriam ir até à abolição das fórmulas constitucionais que eles mesmo tinham ajudado a implantar durante a guerra contra o Miguelismo. Esta divisão reflectiu-se, como vamos ver, no próprio Paço.
Desta maneira os velhos políticos profissionais, que perdiam a influência num regime cada vez mais autoritário e em que portanto a experiência e habilidade deles faziam cada vez menos falta, tendiam a afastar-se do “Cabralismo”. Tal é o caso de Silva Carvalho, que fora ministro de Pedro IV, o de Rodrigo da Fonseca Magalhães, que dominara a cena política imediatamente antes de Costa Cabral, por quem fora afinal suplantado. A própria natureza do regime fazia com que nenhuma das grandes figuras políticas de antes de 1842 continuasse, na sua vigência, a desempenhar um papel de relevo.
Cortesia de wikipedia
O partido conservador ou ‘cartista’, encontra-se portanto dividido em fins de 1850, e uma fracção dele estava na disposição de alijar o chefe do governo. Mas esta fracção receava os perigos de uma revolução que tornasse possível o regresso do ‘Setembrismo’ ao poder. O seu ideal seria um golpe de estado no Paço ou no Exército que com o menor abalo possível, restaurasse a ‘legalidade constitucional’, e restituísse o poder aos políticos de tipo parlamentar.
Entretanto a Rainha permanecia indefectivelmente fiel a Costa Cabral, e o Exército estava bem seguro por este ‘condottiere’ decidido e sabedor do seu ofício. Nestas condições os conspiradores tiveram, ao que parece, necessidade de entrar em negociações com o partido setembrista, para utilizar a sua formidável força popular sem no entanto lhe dar participação no poder. Parece também que estas negociações não deram resultado positivo e que os Patuleias resolveram ficar na espectativa dos acontecimentos.
Preparou-se no entanto uma vasta conspiração palaciana, a que, pelo que nos deixa entrever nas suas “Memórias” o marquês de Fronteira e nas suas notas Silva Carvalho, não eram estranhos o duque da Terceira, chefe do Exército, e o próprio marido da Rainha, Fernando. Herculano empregado do Paço, pessoalmente dependente do consorte Fernando, a quem dedicara a “História de Portugal”, não ficou de fora. Em princípios de 51 teve numerosas conferências com Saldanha, na sua casa da Ajuda. Segundo o depoimento do próprio Herculano, resumido por Oliveira Martins no “Portugal Contemporâneo”, tratou ele nessas conferências de incutir no marechal um programa de governo». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
Cortesia de Edições SEN/JDACT