sexta-feira, 19 de março de 2021

A Segunda Dama. Irving Wallace. «… explicando-lhes que, após a viagem a Moscovo e antes da partida para Londres, teria de permanecer um dia em Los Angeles, oportunidade que aproveitaria para os visitar»

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«Sentada ali, ela começou a sentir-se melhor. A provação estava quase no fim. O mobiliário Luís XVI da Sala Oval Amarela fora disposto de outro modo. Ela instalava-se, empertigada, alerta, no meio do sofá listado, de costas para a janela arqueada e extensão de relvado ao sul, enfrentando pelo menos vinte repórteres femininos e quatro masculinos da Casa Branca, na sua maioria em cadeiras dobráveis, todos impacientes. Colocara-se entre Nora Judson, sua secretária de Imprensa e amiga, e Laurel Eakins, secretário de entrevistas, o que resultava amparador e confortável. Mas o peso recaíra nela. Desde que se tornara Primeira-Dama, apenas concedera quatro conferências de Imprensa em dois anos e meio. Aquela, a instâncias do marido (mais aparições em público podem ser vantajosas para ambos), era a quinta. Em virtude do seu longo silêncio, a Imprensa comparecera com uma sobrecarga de perguntas.

Embora não se houvessem registado soluções de continuidade nos últimos sessenta minutos, as interrogações tinham-se revelado, na sua maioria, fáceis e frívolas. Era verdade que se sujeitava a uma dieta de baixo nível de hidratos de carbono? Tencionava reatar as lições de ténis? Interviria activamente na campanha do marido para as primárias? O Presidente confiava nela e consultava-a em questões de Estado? Que livros lera ultimamente? Tinha uma opinião formada sobre a moda feminina actual? Ladbury, de Londres, continuava a ser o seu costureiro preferido? Qual fora a sua reacção às recentes sondagens públicas que a consideravam a mulher mais popular no mundo de hoje? E assim sucessivamente, sem pausas.

Agora, uma mulher corpulenta com sotaque fanhoso do Texas formulava uma pergunta de carácter mais sério: mrs. Bradford, quanto à notícia de que estará presente na Reunião Internacional das Mulheres em Moscovo, esta semana, antes de acompanhar seu marido à Cimeira de Londres... Sim? ... , alterou o seu ponto de vista acerca da Emenda à Igualdade de Direitos ou do aborto? E pensa pronunciar-se sobre esses temas na capital soviética? Ela sentiu a secretária de Imprensa agitar-se em desconforto a seu lado, mas ignorou a advertência e declarou: pretendo discutir os dois assuntos na minha intervenção. Quanto ao meu ponto de vista, não sofreu a mínima alteração. Continuo a acreditar que a igualdade de direitos para as mulheres nos Estados Unidos há muito que devia vigorar, e cada dia que passa recebemos mais manifestações de apoio. No caso do aborto, há muitos pontos a debater por ambas as partes. Fez uma pausa à espera do suspiro de alívio da secretária, ouviu-o e continuou: no entanto, penso que não deve existir legislação alguma contra a sua prática, mas reservar a decisão, individualmente, a cada mulher nessa situação. Referir-se-á a isso em Moscovo?

Sem dúvida. Tentarei igualmente determinar, com base nos dados estatísticos à minha disposição, como pensam as mulheres dos Estados Unidos neste momento, a respeito de ambos os tópicos. Levantou-se outra repórter, alta, de ossos salientes, que se exprimiu com a inflexão bem modulada de Boston: mrs. Bradford, pode revelar-nos que mais espera discutir na Reunião Internacional das Mulheres? A mulher no mundo do trabalho americano. A mulher nas nossas forças armadas. Enfim, um largo número de tópicos. Quando regressar, apresentarei um relatório minucioso.

A editora da secção feminina do New York Times pôs-se de pé por sua vez. Consta que permanecerá três dias em Moscovo. Pode mencionar algumas outras actividades, além das reuniões, a que tenciona dedicar-se? Bem, como se trata da minha primeira visita à União Soviética, espero dispor de tempo para algumas digressões turísticas. Em todo o caso, Nora, aqui presente, está mais familiarizada com o meu programa. Olhou Nora Judson significativamente e esta apressou-se a fazer uso da palavra, de forma fluente e eficiente. Billie Bradford reclinou-se com alívio, pela primeira vez. O dia, em particular a parte da tarde, fora tão activo, que só agora se dava conta do cansaço que a invadia. Sentia-se em desalinho. Baixou os olhos para a camisola de caxemira azul-clara e saia de uma tonalidade mais escura e convenceu-se de que continuavam apresentáveis. Então, devia ser o cabelo. Penteara a longa cabeleira loura para trás, com uma fita de seda em volta do rolo, mas, como sempre, haviam-se desprendido algumas madeixas, que pendiam sobre a fronte. Com um gesto característico, tratou de as impelir para a posição conveniente.

Nora explicava, em voz firme e clara, o itinerário da Primeira-Dama em Moscovo e esta sentia-se-lhe grata. Fingindo prestar atenção às palavras da sua secretária, Billie Bradford deixou o espírito retroceder para o fim da manhã daquele dia crucial e depois avançar ao longo da tarde até ao momento presente. Antes do meio-dia, despachara toda a correspondência pessoal, em especial as cartas destinadas ao pai em Malibu e à irmã mais nova, Kit, explicando-lhes que, após a viagem a Moscovo e antes da partida para Londres, teria de permanecer um dia em Los Angeles, oportunidade que aproveitaria para os visitar». In Irving Wallace, A Segunda Dama, 1980, Editora Livros do Brasil, Colecção Dois Mundos, 1983, ISBN 978-972-380-936-7.

Cortesia ELdoBrasil/JDACT

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