(…) Publicado em 1989, a obra de Garrard - Artemisia Gentileschi: the image of the female hero in italian baroque art, é considerada o mais completo estudo sobre a vida e obra da pintora, enriquecido com documentos como suas cartas, os anais do julgamento e ilustrações de obras de arte renascentistas, além daquelas de autoria da artista. A vida de Artemisa Gentileschi também motivou a criação de três romances: Artemisia (1947) da escritora italiana Anna Banti e os romances contemporâneos Artemisia: a novel (1998) da francesa Alexandra Lapierre e The Passion of Artemisia (2000) da norteamericana Susan Vreeland. Também foi produzido o filme da directora francesa Agnes Merlet, Artemisia, lançado em 1997. Além dessas narrativas sobre a vida de Artemisia, também podem ser encontrados romances que fazem menções à artista ou à sua obra como The book of Mrs Noah (1987) da britânica Michele Roberts, Veinte años y un día (2003) do espanhol Jorge Semprún e Frida Kahlo (1985) da mexicana Rauda Jamis. Ao realizar uma pesquisa com o intuito de identificar recentes publicações sobre Artemisia Gentileschi até o momento, constatei vários estudos da vida e obra da pintora. A respeito dos romances sobre Artemisia, apenas alguns trabalhos foram encontrados. No Brasil, as narrativas ficcionais sobre a pintora foram pouco exploradas. Dentre todas as obras analisadas, apenas o romance The Passion of Artemisia foi publicado em português, em 2010. No âmbito de pesquisas académicas, há um artigo de autoria de Cristina Stevens, que analisa o romance The passion of Artemisia, e também o artigo da professora da UFPB, Maria das Vitórias de Lima Rocha, que menciona o romance de Vreeland, sem, no entanto, analisá-lo […].
O percurso da história inicia-se no período anterior a Cristo, com escritos de Tucídides (460 A.C. - 395 A.C.) e Heródoto (484 A.C. - 425 A.C.). Esses primeiros historiadores procuraram distinguir as suas narrativas das de Homero, buscando um maior comprometimento em estabelecer verdades factuais; no entanto, as obras de Tucídides e Heródoto ainda eram muito próximas à épica. Os dois historiadores colocam-se como testemunhas dos acontecimentos descritos nas suas narrativas. O crítico literário Luiz Costa Lima (2006) destaca que, nesse processo, eles ainda mostravam uma certa preocupação com os aspectos discursivos, criando esteticamente a ilusão de que eles próprios eram os narradores e observadores das suas narrativas.
O propósito da epopeia era o mesmo: manter viva a memória do que aconteceu e não podia ser esquecido. No entanto, para Homero, não era importante, por exemplo, a exacta reconstituição do que acontecera em Tróia, mas sim a reunião de diversas fontes para a construção da narrativa épica. Costa Lima destaca que, apesar de as finalidades do poeta e do historiador serem bem-parecidas, as estratégias que eles utilizavam, no entanto, não se equivaliam: se a Tucídides Homero parecia um adornador, a Homero Tucídides parecia um tacanho, preocupado com coisas pequenas. Ainda nessa época, não havia um critério explícito que distinguia essas duas formas narrativas. Uma das primeiras tentativas de estabelecer uma concepção poética precisa foi feita por Aristóteles, que utilizava basicamente um critério, a mímesis. A partir dessa ideia de que a poesia (poesis) seria a imitação (mímesis) das acções do homem, o filósofo propõe que história e ficção tenham, consequentemente, outras diferentes características. Na sua A poética, há referência directa a essas diferenças em dois momentos da sua obra, nos capítulos IX e XXII. Na primeira referência, ele afirma Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. O filósofo acreditava que não era, então, a forma do texto, verso ou prosa, que diferenciaria as duas narrativas, pois, se a obra de Heródoto fosse colocada em verso, ela não deixaria de ser história. Enquanto a poesia representa o que poderia acontecer, a história narra o que já aconteceu no passado. O historiador Ronaldo Silva Machado (2000) destaca que essa mímesis deve ser entendida como a representação do homem em ação, não em termos de uma simples cópia ou transcrição, mas como uma universalização de possibilidades dessa ação, segundo a verossimilhança. O poeta deve representar apenas uma só acção com causa e consequência. Ao citar o exemplo da Odisséia, o filósofo destaca que Homero compôs tudo em apenas uma única acção, sua viagem de retorno. Se a obra contasse toda a vida de Odisseu, seria história. Esta, ao invés de contar uma única acção, narra todos os eventos, na devida ordem de sucessão, passado num período de tempo. Enquanto na poesia, um acontecimento é a causa do outro, na história há apenas uma sequência de acontecimentos». In Rachel Nóbrega S. Fé, Histórias Possíveis. As Narrativas sobre Artemisia Gentilrschi, Dissertação de Mestrado em Literatura da Universidade de Brasília, IL, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, 2014.
Cortesia de UBrasília/IL/DTLLiteraturas/JDACT
JDACT, Artemisia Gentilrschi, Pintura, Século XVI, A Arte,