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Herculano perante a Regeneração
«Em 1850 governava em Portugal o “Cabralismo” expressão política da reacção que procurava suster a evolução para a esquerda desencadeada pelos acontecimentos de 1832-1834. O “Cabralismo” reagia contra a revolução de Setembro de 1836, que se apoiara na pequena burguesia de Lisboa e Porto e pretendera derrubar a oligarquia política detentora do poder desde a guerra civil. No plano económico, o “Cabralismo” era acusado pela oposição (na qual se contavam os melhores nomes da intelectualidade portuguesa) de representar os interesses da banca e da agiotagem, servindo-se de um sistema de bomba aspirante, que consistia em atrair o dinheiro para grandes companhias de obras públicas garantidas ou apoiadas pelo Estado, dinheiro que seguidamente as ditas companhias emprestavam ao mesmo Estado em condições altamente vantajosas para elas. Havia assim uma espécie de interdependência mútua entre o capitalismo argentário e o governo. Os grandes prestamistas do Estado, interessados em apoiar este sistema, eram, por outro lado, possuidores de latifúndios, em grande parte adquiridos por ocasião da venda dos bens nacionais.
O grosso da grande burguesia estava pois ao lado de Costa Cabral. Estava ao lado dele, também, o clero, que encontrava oportunidade propícia para se refazer do duríssimo golpe sofrido em 1834.
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Como instrumento para se segurar no poder contra a larga oposição de todos os outros grupos políticos, o “Cabralismo” desenvolveu um funcionalismo burocrático e administrativo fortemente centralizado; neste sentido se reformou o código administrativo largamente descentralizador promulgado pelo “Setembrismo”. A burocracia administrativa, ajudada, quando era preciso, por violências militares, transformou-se numa máquina de preparar eleições. A lei eleitoral fora também reformada no sentido de se restringir, pela elevação do censo, o direito de voto.
Em conjunto, como já notou Oliveira Martins, o “Cabralismo” corresponde em Portugal à reacção chefiada por Guizot a partir de 1834. Como ela, reforça o Executivo, como ela, seleciona economicamente o eleitorado (só deixando votar os mais ricos), como ela, apoia-se no capitalismo bancário.
O “Cabralismo” deparou em Portugal com uma oposição indomável. Instalado em 1842 com o auxílio de parte do exército, logo em 1844 teve de fazer face a um movimento em que participou José Estevam; em 1846 sofreu o rude golpe do movimento popular da Maria da Fonte. Os políticos ao serviço dos interesses governantes tiveram artes de mistificar este movimento popular triunfante, acabando por entregar o poder ao marechal Saldanha que preparou o regresso de Costa Cabral exilado.
Cortesia de bibliotecahen
As condições políticas passavam por um violento traumatismo. Em 1848 uma revolução popular derrubava Guizot e o grupo oligárquico que o apoiava, levando ao poder a burguesia liberal aliada ao proletariado. Simultaneamente ou quase, eclodem nos Balcans e na Itália movimentos nacionais; uma revolução em Viena expulsa da cena política Metternich, que durante trinta anos fora a alma da resistência à revolução francesa.
Publica-se o manifesto de Marx e Engels. Divulga-se o que então se chamava “Socialismo”, ideologia sincrética em que se confundiam os ideais humanitários, as utopias, um vago cristianismo social, as aspirações da pequena burguesia, as do artesanato, e as reclamações do proletariado fabril, já numeroso em França, e principalmente em Inglaterra. A ordem tradicional pareceu um movimento vacilante. O choque de 48 não deixou de se reflectir em Portugal, condicionado naturalmente pelas circunstâncias políticas internas. Houve uma efervescência revolucionária em Lisboa. A política descobriu ou supos neste ano uma conspiração, que ficou conhecida por ‘movimento das Hidras’, em que entrariam José Estevam, Oliveira Marreca, Rodrigues Sampaio e outros. Casal Ribeiro, o futuro conde, saúda a revolução num panfleto "Hoje não é ontem"; sai um manifesto dos estudantes da Universidade de Coimbra, 9 de Abril.
Publicam-se os primeiros jornais republicanos portugueses, “O Regenerador” que arvorava a divisa ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’ e “A República”, ambos de 1848.
Em 1850 funda-se o primeiro jornal socialista português “O Eco dos Operários”, redigido por António Lopes Mendonça, escritor, Francisco Sousa Brandão, oficial do exército e Vieira da Silva, operário, que se propunha divulgar em Portugal o fourierismo e o proudhonismo». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
Cortesia de Edições SEN/JDACT