«(…) Quando entraram, a casa
paroquial gelou-lhes os corações. Parecia feia, quase sórdida, com o ar húmido
daquele degenerado conforto de classe média, que já deixara de ser confortável
e se tornara abafado e sujo. A casa de pedra, rígida, provocou nas raparigas
uma violenta impressão de ser suja, sem que elas fossem capazes de dizer
porquê. A mobília gasta parecia, de algum modo, sórdida, nada era novo. Até a
comida, às refeições, apresentava aquela terrível e lúgubre sordidez que é tão
repulsiva aos jovens chegados do estrangeiro. Carne assada, couve cozida, carneiro
frio e puré de batatas, picles avinagrados e os pudins incríveis.
A avó, que adorava um bocado de
carne de porco, tinha também pratos especiais, caldo de carne e biscoitos, ou
um louco de creme especialmente saboroso. A tia Cissie, de cara triste, não comia.
Sentava-se à mesa e punha no prato uma única solitária e nua batata cozida.
Nunca comia carne. Assim, sentava-se à mesa todo o tempo que a refeição durava
em reclusão sórdida, enquanto a avó engolia rapidamente o seu bocado e só com
muita sorte não entornava nada por cima do seu estômago protuberante. A comida,
já por si, era pouco apetitosa: como é que o poderia ser, quando a tia Cissie
odiava comida, odiava o facto de se comer e nunca conseguia manter uma criada
durante mais de três meses! As raparigas comiam com repulsa, Lucilie aguentando
com bravura, enquanto o delicado nariz de Yvette demonstrava claramente a sua
repugnância. Apenas o pároco, de cabelos brancos, limpava os longos bigodes
grisalhos com o guardanapo e dizia piadas. Também ele começava a ficar pesado e
lento, passava todo o dia sentado no seu gabinete, sem nunca fazer qualquer exercício.
Porém, estava todo o tempo a soltar piadinhas sarcásticas, ali sentado sob a
protecção da Mater.
A região, com as suas colinas
íngremes e vales profundos e estreitos, era sombria e triste, mas tinha, em
contrapartida, uma certa força, muito sua. A vinte milhas dali encontrava-se a mancha
negra do industrialismo setentrional, mas, no entanto, a vila de Papplewick, em
comparação, dir-se-ia isolada, quase perdida, e nela decorria uma vida pétrea e
rígida. Tudo era pedra, pedra de uma dureza que era quase poética, e de uma tal
austeridade! Era tudo tal como as raparigas tinham previsto: regressaram ao
coro, ajudavam na paróquia. Mas Yvette recusou-se terminantemente a participar
na Escola Dominical, na Banda da Esperança e na Sociedade Feminina de Socorro
Mútuo, ou seja, manifestou-se contra todas aquelas funções que eram dirigidas por
velhas solteironas cheias de determinação e por velhotes estúpidos e
obstinados. Evitava o mais possível os serviços da igreja e sempre que podia
escapulia-se da paróquia. Os Framleys, uma familia enorme, desordenada e
divertida que vivia lá em cima na granja, eram uma grande ajuda. Se alguém a
convidava para uma refeição, ou até se uma mulher, numa das casas dos operários,
lhe pedia que ficasse para o chá, ela aceitava imediatamente. Na verdade,
ficava encantada. Gostava de falar com os trabalhadores, pois tinham,
frequentemente, umas cabeças belas e sólidas. Mas, claro, eles pertenciam a um
outro mundo.
Assim
se passaram os meses. Gerry Somercotes continuava a ser um dos seus
admiradores. Havia também outros, filhos de agricultores ou de proprietários de
moagens. Na realidade, Yvette devia ter passado um tempo agradável. Estava
sempre a sair para festas e bailes, os amigos iam buscá-la, nos seus
automóveis, e aí iam eles para a cidade, para as matinées dançantes, no hotel principal
ou no novo e maravilhoso Palais de Danse, a que chamavam o Pally. No entanto,
ela parecia sempre uma criatura hipnotizada. Nunca se sentia suficientemente
livre para ser feliz. Algures, dentro de si própria, permanecia uma irritação
intolerável que ela pensava que não devia sentir, e que odiava sentir, o que ainda
tornava tudo pior. Nunca conseguiu compreender qual a sua causa. Em casa,
mostrava-se na verdade impaciente e imutável e ultrajosamente rude para com a
tia Cissie. De facto, o terrível temperamento de Yvette tornou-se, dentro da
família, um dado adquirido». In DH Lawrence, A Virgem e o Cigano, 1926,
Editora Assírio & Alvim, 1984, colecção O Imaginário, ISBN
978-972-370-164-7.
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT