«(…) Assim que chegou ao Campo, o
grupo de 95 homens foi levado para o pavilhão de desinfecção, onde todos foram
prontamente despidos e, depois, submetidos a uma completa e cuidadosa
depilação: cabelos, barbas e tudo o resto caíram rapidamente sob tesouras,
navalhas e máquinas. A seguir, os homens foram colocados na sala dos chuveiros
e ali ficaram trancados até à manhã seguinte. Cansados, famintos, com sede e
sono, atónitos com o que tinham visto e inquietos pelo seu destino imediato, mas,
acima de tudo, inquietos pela sorte dos entes queridos de quem tinham sido
brusca e brutalmente separados poucas horas antes, com o espírito atormentado
por obscuros e trágicos pressentimentos, eles tiveram de passar a noite inteira
em pé, com os pés na água que pingava das tubagens e corria pelo chão.
Finalmente, por volta das 6 horas da manhã seguinte, foram submetidos a uma
fricção geral com uma solução de lisol e depois a um duche quente; de seguida,
foram-lhes entregues os uniformes do Campo e, para os vestir, foram conduzidos
a outra sala, na qual tiveram de entrar pelo lado de fora do pavilhão, saindo
nus para a neve, com o corpo ainda molhado do duche recente.
O uniforme dos prisioneiros de
Monowitz durante o Inverno era composto por um casaco, um par de calças, um
boné e um sobretudo de pano às riscas; uma camisa, um par de cuecas de algodão,
um par de meias; um pulôver; um par de sapatos com sola de madeira. Muitas
meias e muitas cuecas tinham sido visivelmente feitas a partir de alguns thaled,
o manto sagrado com o qual os Judeus se costumam cobrir durante as orações,
encontrados nas malas de alguns deportados e utilizados para aquela finalidade
em sinal de desprezo. Mal chegava o mês de Abril, quando o frio, embora mais brando,
ainda não desaparecera, as roupas de pano grosso e os pulôveres eram retirados,
e as calças e o casaco eram substituídos por peças análogas de algodão, também
às riscas; só em finais de Outubro voltavam a ser distribuídas roupas de
Inverno.
No entanto, isso não aconteceu no
Outono de 44, porque as roupas e os casacos de pano grosso tinham chegado ao
limite extremo de uso, de forma que os prisioneiros tiveram de enfrentar o
Inverno de 44-45 vestindo algodão, como nos meses de Verão; só uma pequena minoria
recebeu uma leve gabardina impermeável ou um pulôver. Era rigorosamente
proibido possuir mudas de roupa ou de peças íntimas, de forma que era quase
impossível lavar camisas ou cuecas: essas peças eram trocadas, de acordo com as
autoridades, a cada 30-40-50 dias, segundo a disponibilidade e sem possibilidade
de escolha; as peças não vinham lavadas, eram apenas desinfectadas a vapor,
pois não havia lavandaria no Campo. Em geral, eram cuecas curtas de algodão e
camisas, sempre de pano, frequentemente sem mangas, sempre de aspecto
repugnante devido a todo o tipo de manchas, com frequência reduzidas a
farrapos; nalgumas ocasiões, em vez disso, recebia-se a camisa ou as calças de
um pijama ou mesmo alguma peça de roupa feminina.
As repetidas desinfecções deterioravam
os tecidos, acabando com a sua resistência. Todo este material resultava das
roupas de pior qualidade retiradas aos passageiros dos vários comboios que,
corno se sabe, chegavam continuamente ao Centro de, Auschwitz provenientes de
todas as partes da Europa. Eram distribuídos sobretudos, casacos e calças,
tanto de Verão como de Inverno, em péssimas condições, cheios de remendos e
impregnados de sujidade (barro, graxa, tinta). Os prisioneiros tinham de tratar
pessoalmente de os arranjar sem receberem linhas ou agulhas para isso. Era
extremamente difícil conseguir trocá-los, o que só acontecia quando qualquer
tentativa de arranjo fosse de todo impossível. As meias nunca eram trocadas, e
a sua recuperação ficava entregue à iniciativa de cada um. Era proibido possuir
lenços de assoar ou qualquer outro pedaço de tecido.
Os sapatos eram feitos numa
oficina própria que existia no Campo; as solas de madeira eram pregadas em
chapas de couro ou de couro sintético ou de pano emborrachado provenientes do
calçado de pior qualidade retirado dos comboios que chegavam. Quando estavam em
bom estado, constituíam uma defesa razoável contra o frio e a humidade, mas
eram absolutamente inadequados para as caminhadas, mesmo curtas, e causavam escoriações
na sola dos pés. Podia considerar-se afortunado aquele que tivesse sapatos
emparelhados e do tamanho adequado. Quando se estragavam, eram consertados
infinitas vezes, para além de qualquer limite razoável, de forma que era
raríssimo ver calçado novo, e aquele que normalmente era distribuído não durava
mais de uma semana. Não eram distribuídos atacadores, cada qual os substituía
como podia por pedaços de papel retorcido ou por fio eléctrico, quando era
possível encontrar algum». In Primo Levi, Assim foi Auschwitz, 2015,
Penguin Randon House Grupo Editorial, Objectiva, 2015, ISBN 978-989-877-569-6.
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