sábado, 29 de julho de 2017

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Se tanto vos aflige o meu sossego que o perturbais por modo tão tirano, matai-me, que a morrer eu não me nego»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
O convento da boa-morte, não longe do qual morava eu então
«O vapor autunal
cobre-o de um véu fatal, Sombrio.
Suspira o vento e nasce o calafrio.

Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
Vêm aflitos pensamentos,
vêm desde Sintra queixosos,
vagar ternos e medrosos
ao redor de monumentos...
A campa de Isa alvejando,
a escuridão vai cortando...
Dorme a quieta africana...
Dormirá a raça humana...»


Isa, moura sepultada na margem do rio deAlcântara, cuja campa alveja e se percebe de longe
«Não rompe o mundo
Letargo tal, um sono tão profundo.
Da manhã,
para os mortos, a graça, a luz é vã.

Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
Com teu clarão moderado,
que objecto me estás mostrando?
Que me estás afigurando,
crepúsculo descorado?...
Sombra majestosa e cara,
que nas mãos da Parca avara
enches todo o meu sentido!
És tu, Armínio querido?
Se te retrata a saudade,
apaga as cores a realidade».


O conde de Oeynhausen, marido da autora
«Entretanto,
o teu túmulo lava este meu pranto.
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
Sobre o teu marmóreo altar,
onde oculto me magoas,
de plátano cinco coroas
venho hoje depositar.
Recebe, Armínio, a mais pura;
duas leve-as a ternura,
do meu choro comovida,
a Márcia, a Lília querida;
aos dois penhores
dos nossos tristes, doces amores,
condoída,
ofereço duas, oferecera a vida.
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...

Esperanças de um bem tão contingente,
com que fim me andais sempre atormentando?
Se inútil é que eu viva suspirando,
porque me não deixais viver contente?

Ora fingis distante, ora presente
o motivo do mal que estou chorando;
fingi-me, se podeis, ao menos quando
hei de viver feliz, sendo indiferente.

Se tanto vos aflige o meu sossego
que o perturbais por modo tão tirano,
matai-me, que a morrer eu não me nego.

Se tanto vos aflige o meu sossego
que o perturbais por modo tão tirano,
matai-me, que a morrer eu não me nego».
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’

JDACT