«(…)
O intruso viu a
pistola e atacou. Dominó deu meia-volta e empurrou-a para o lado. Ela caiu na
cadeira com um baque. À frente mal
distinguia o turbilhão de movimento. O recém-chegado atirara-se para cima de
Dominó, fazendo com que ambos caíssem no chão. Outra mão agarrou a arma
enquanto eles, atracados, se debatiam. Um estouro atravessou o quarto. E depois
o intruso levantou-se, correu e foi engolido pelo corredor escuro. Dominó
olhava para o braço. O sangue escorria da manga queimada e rasgada da camisa,
por cima do cotovelo. Droga! Ficou de pé num salto e saiu correndo. Audrianna
agarrou os braços da cadeira e tentou acalmar o coração retumbante. Sons.
Altos. Vozes agitadas no andar de baixo e gritos assustados nos quartos
vizinhos. Dominó voltou ao quarto e fechou a porta. O seu braço!, gritou ela. A
bala está na parede, ali. Ele apontou um buraco preto novo, no reboco por baixo
da janela. Mas, mais um centímetro e...
Mais
gritos. Mais próximos. Ele olhou atentamente para ela. Está bem? Recomponha-se
e nem pense em desmaiar agora. Estou bem. Só com um pouco de falta de ar, por
causa do choque. Você trouxe uma pistola carregada e armou o gatilho. Não devia
chocar-se de que ela tenha acabado disparando. Com uma mão firme no queixo
dela, levantou a cabeça, para verificar como ela estava, presumiu ela, e quão
perto estava de desmaiar. Estarão aqui em breve, comunicou ele. Questão de segundos.
Não fale. Eu responderei às perguntas. O olhar dela percorreu o quarto em todas
as direcções. Claro que haveria perguntas. Um tiro fora disparado na estalagem
e todos ouviram. A confusão aproximava-se da porta. Vozes e passos pesados e
excitação. Depois, de repente, silêncio. Uma fresta abriu-se. Não fale, ordenou
Dominó novamente.
A porta se
abriu completamente, mostrando o estalajadeiro com uma expressão de preocupação
no rosto. Que foi substituída por alívio, depois raiva. Atrás dele, uma massa
de rostos esgueirava-se para conseguir olhar para dentro do quarto também. Não
tem ninguém morto, anunciou o estalajadeiro por cima do ombro. Enquanto a
notícia se espalhava pelo corredor, ele entrou no quarto, cruzando os braços.
Olhou para a ferida no braço do hóspede, depois para a cadeira onde Audrianna
estava sentada, depois para a pistola, ainda no chão. Voltou a olhar para
Audrianna. Assim que chegou soube que só traria problemas. A minha estalagem é
um estabelecimento de respeito e eu não... Summerhays! Mas que diabos...? Juntou-se
ao aglomerado que estava à porta um novo rosto, belo, com olhos azuis e cabelo
muito escuro. O recém-chegado abriu caminho e transpôs a soleira. Apreciou a
cena e balançou a cabeça.
Que lindo
serviço, Summerhays. Lindo serviço. Audrianna constatou, alarmada, como a
situação devia parecer. Um homem e uma mulher sozinhos numa estalagem... O
homem ferido por uma pistola... Todos pensavam que ela e Dominó eram amantes e
que houvera uma discussão e que ela disparara. Está sangrando, Summerhays,
alertou o recém-chegado. Foi atingido? Ela percebeu que o cavalheiro de
presença altiva se dirigia a Dominó e não ao estalajadeiro. Summerhays. Um
membro do parlamento chamado Summerhays estivera envolvido na investigação
feita ao seu pai. Lord Sebastian Summerhays. Era irmão do marquês de Wittonbury
e fora inflexível, cruel e implacável. Mas como podia ele ser o Dominó? Se
havia pessoa que sabia que o seu pai estava morto...
Entendendo
o que se passava, começou a encará-lo. A bala está aqui na minha parede. O
estalajadeiro dobrou-se para examinar o estrago. Mas foi apontada para o braço,
ou pior, isso é certo. Esta mulher atirou nele sem dúvida alguma e a sorte dele
foi ela ter má pontaria. Fora do quarto, a multidão concordou com aquela
opinião. Vozes transmitiram a notícia de que uma mulher tinha tentado matar o
amante. Não foi isso que aconteceu. Lord Sebastian arrancou o que restava da
manga e usou o retalho para comprimir a abertura grande e escura que tinha no
braço. Alguém entrou. Um ladrão. Tentei defender-me e ele atacou-me. Na luta, a
pistola disparou. É uma história improvável, disse o estalajadeiro,
entredentes. Questiona a minha palavra de cavalheiro?, perguntou lord
Sebastian, ameaçador.
Não
questionarei nada, senhor. Vou deixar isso ao magistrado, se não se importar.
Pode contar do ladrão audaz que entrou num quarto ocupado, simplesmente para
atirar e fugir sem dinheiro. O estalajadeiro dirigiu a Audrianna um olhar de
desdém. Quer que mande alguém a Brighton buscar um cirurgião, senhor? Ou esta
mulher consegue cuidar do ferimento enquanto espera pelo juiz de paz? Fico com
a sua palavra do cavalheiro que realmente é de que vai ficar e não fugir. Lord
Sebastian tirou o farrapo e olhou para o braço. Tem a minha palavra. Conseguimos tratar da ferida.
Mande trazer água fresca e um trapo limpo. Além do mais, a senhora vai precisar
de um quarto para ela, para passar a noite, por isso trate de providenciá-lo. Os
outros quartos estão ocupados, e não vou mandar ninguém sair para alojá-la. Nem
quero essa mulher perambulando pela
minha
propriedade depois do que ela fez. Não tenho tempo para ficar de carcereiro,
por isso deixo também isso a seu cargo. Ficarei com a sua palavra também a
respeito disso, de que a manterá por perto e se certificará de que ela
permaneça aqui até o juiz de paz chegar. Que assim seja, então, já que insiste.
Agora pode ir embora. Foi uma ordem calma, mas com uma autoridade tal que o
estalajadeiro se voltou imediatamente para a porta. Na saída, os corpos
começaram a dispersar, abrindo caminho. Você também, Hawkeswell, indicou lord Sebastian. Preciso de
privacidade. Peço também a
sua
discrição, não que espere que seja de grande ajuda. Deve compreender. Concedo
ambas de bom grado. Também tenho uma camisa a mais na minha bagagem. Vou mandar
buscar. Fez uma
pequena mesura a Audrianna e saiu do quarto seguindo o estalajadeiro». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013,
ISBN 978-989-232-372-5.
Cortesia
de EASA/JDACT