«(…) O estado higiénico-sanitário
do Campo parecia, à primeira vista, realmente bom: as ruas e vielas que
separavam os diversos blocos, eram limpas e bem conservadas, até onde permitia o
chão lamacento; o exterior dos blocos, em madeira, era bem pintado e o interior
tinha os soalhos cuidadosamente varridos e lavados todas as manhãs, com os
chamados castelos (beliches) de três andares em perfeita ordem, as mantas dos
catres bem estendidas e alisadas. Mas tudo isto era apenas aparência, sendo a
substância completamente diferente: na verdade, nos blocos, que normalmente
deveriam albergar entre 150 e 170 pessoas, amontoavam-se sempre pelo menos 200,
muitas vezes até 250 pessoas, e portanto em quase todas as camas dormiam duas
pessoas. Nessas condições, o tamanho do dormitório era certamente inferior ao
mínimo exigido pelas necessidades de respiração e hematose. Os catres eram
providos de uma espécie de saco grande, mais ou menos cheio com serragem de
madeira, reduzida quase a pó pelo uso prolongado, e dois cobertores. Os
cobertores, além de nunca serem trocados nem submetidos, a não ser muito
raramente e por motivos excepcionais, a qualquer desinfecção, estavam, na maior
parte dos casos, em péssimo estado de conservação: gastos pelo uso prolongado,
rasgados, cobertos de todo o tipo de manchas. Só os catres mais à vista eram
providos de cobertores mais decentes, quase limpos, e às vezes até bonitos:
eram os catres dos andares inferiores e mais próximos da porta de entrada.
Naturalmente, essas camas eram
reservadas para os pequenos líderes do Campo: capatazes e seus assistentes,
ajudantes do chefe de bloco, ou simplesmente amigos de uns ou de outros. Assim
se explica a impressão de limpeza, ordem e higiene que a pessoa tinha ao entrar
num dormitório pela primeira vez e deitando um olhar superficial ao seu
interior. Nas armações dos beliches, nas vigas de sustentação, nas tábuas dos
catres, viviam milhares de percevejos e pulgas que impediam os prisioneiros de
dormir à noite; nem sequer as desinfecções dos dormitórios com vapores de ácido
nitrídrico, efectuadas de três em três meses ou de quatro em quatro, eram
suficientes para destruir esses hóspedes que continuavam a vegetar e a
multiplicar-se quase imperturbáveis.
Os piolhos, pelo contrário, eram
combatidos a fundo, a fim de prevenir o surgimento de uma epidemia de tifo
petequial: todas as noites, após regressar do trabalho, e com maior rigor nas
tardes de sábado (dedicadas, entre outras coisas, a rapar o cabelo; a barba e
por vezes também outros pêlos), praticava-se o chamado controlo dos piolhos.
Cada prisioneiro tinha de se despir e submeter as suas roupas ao exame
minucioso dos encarregados dessa função; se fosse encontrado um único piolho na
camisa de um deportado, todas as roupas de todos os ocupantes do dormitório
eram imediatamente enviadas para desinfecção e os homens eram submetidos a
duches, depois de serem esfregados com lisol. Assim, tinham de passar a noite
inteira nus, até às primeiras horas da manhã, quando as suas roupas voltavam do
barracão de desinfecção, impregnadas de humidade.
No entanto, não se tomava
qualquer outra providência para a profilaxia das doenças contagiosas, que eram
frequentes: tifo e escarlatina, difteria e varicela, sarampo, erisipela etc.,
sem contar com as inúmeras infecções cutâneas contagiosas, como as
epidermofitoses, os impetigos, as sarnas. É de facto surpreendente que, tendo
em conta tanta negligência em relação às normas higiénicas de pessoas que
viviam numa promiscuidade tão grande, nunca tenham surgido epidemias de rápida
difusão. Uma das maiores possibilidades de transmissão de doenças infecciosas
consistia no facto de uma razoável percentagem de prisioneiros não dispôr de
gamela ou de colher, de modo que três ou quatro pessoas eram obrigadas a comer
sucessivamente no mesmo recipiente ou com o mesmo talher, sem poder lavá-lo.
A alimentação, de quantidade
insuficiente, era de má qualidade. Consistia em três refeições: de manhã, logo
depois de acordar, eram distribuídos 350 gramas de pão quatro vezes por semana e
700 gramas três vezes por semana, portanto, uma média diária de 500 gramas,
quantidade que seria razoável se o próprio pão não trouxesse incontestavelmente
uma grande quantidade de escórias, entre as quais, de forma muito visível,
serragem de madeira; além disso, ainda de manhã, davam-nos 25 gramas de
margarina com uns vinte gramas de salame ou uma colherada de doce ou ricota. A
margarina era distribuída só seis dias por semana; mais tarde, essa
distribuição reduzir-se-ia para três dias. Ao meio-dia, os deportados recebiam
um litro de sopa de nabo ou couve, absolutamente insípida devido à falta de
qualquer tempero, e à noite, no final do trabalho, outro litro de sopa um pouco
mais consistente, com algumas batatas ou, por vezes, ervilhas e grão-de-bico;
mas esta também totalmente desprovida de componentes gordurosos». In
Primo Levi, Assim foi Auschwitz, 2015, Penguin Randon House Grupo Editorial,
Objectiva, 2015, ISBN 978-989-877-569-6.
Cortesia de Objectiva/JDACT