«(…) Era um homem alto, com uns
olhos azuis que reflectiam bonomia, bem vestido num estilo desportivo, com um
elegante casaco de pele castanho. Senti um calafrio. Ainda hoje não sei
explicar o que se passou, mas fui subitamente acometida por um pressentimento.
Continuo sem saber explicar bem o que se passou, pois não sou assim de arrebatamentos
tão fortes, mas ao olhar para aquele homem tive a mais absoluta certeza de que
ele havia, um dia, de mudar a minha vida. Certamente reparou que estava fixada
a olhar para ele, porque, para meu espanto, afastou-se da multidão e
dirigiu-se-me, pegando-me na mão, apertando-a firmemente e perguntando-me num
inglês irrepreensível: a quem tenho o prazer de beijar a mão? Nevada Hayes-Chapman,
disse, recuando um pouco e tentando disfarçar a voz que teimava em atingir-me.
Afonso de Bragança ao seu
dispor..., inglesa..., americana..., calculo? Sim, sou americana, mas vim de
Paris, onde tenho vivido nos últimos anos, proferi com a voz ainda trémula. E a
que devo a feliz coincidência de me encontrar consigo aqui, em Sintra...?
Ahhhhhhhh, disse eu para me dar
tempo a recompor. Vim na esperança de conhecer um local encantador e visitar
uma querida amiga, a Tennie C., mas por má sorte parece que o destino impediu
que nos encontrássemos e fez com que eu aqui viesse parar... Ah, sim, a
viscondessa de Monserrate, conheço-a bem. E, até agora, quais são as suas impressões?
Há muito que tenho um íntimo desejo de conhecer Sintra, curiosa por sentir o
fascínio que exerce sobre mentes tão brilhantes e admiráveis... Parece que o
destino a trouxe até aqui… Sim..., disse eu com a voz a fugir-me de novo. Vou ter
de partir, por agora, mas gostaria muito de a voltar a ver!
Depressa o informei de que me
encontrava hospedada no Hotel Bragança, em Lisboa. Despedimo-nos, ficando a
pairar a promessa de um reencontro. Durante a viagem de regresso a Lisboa, e
com o coração a querer saltar-me do peito, recordei aqueles breves momentos. Os
seus olhos azuis de profunda tristeza, marcados pela tragédia que se abatera no
início do ano sobre a sua família, não me saíam do pensamento. Não se falava de
outra coisa em toda a Europa, um rei e um príncipe barbaramente assassinados,
seu irmão e sobrinho tão amados, num atentado com disparos à queima-roupa que
terminou num banho de sangue quando a família real se deslocava num landau aberto
no Terreiro do Paço». In Ana Anjos Mântua, A Americana que Queria
Ser Rainha de Portugal, Letras & Diálogos, Editorial Presença, Manuscrito,
2017, ISBN 978-989-881-874-4.
Cortesia de L&Diálogos/JDACT