sábado, 3 de fevereiro de 2018

A Americana que Queria Ser Rainha de Portugal. Ana Anjos Mântua. «Vim na esperança de conhecer um local encantador e visitar uma querida amiga, a Tennie C., mas por má sorte parece…»

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«(…) Era um homem alto, com uns olhos azuis que reflectiam bonomia, bem vestido num estilo desportivo, com um elegante casaco de pele castanho. Senti um calafrio. Ainda hoje não sei explicar o que se passou, mas fui subitamente acometida por um pressentimento. Continuo sem saber explicar bem o que se passou, pois não sou assim de arrebatamentos tão fortes, mas ao olhar para aquele homem tive a mais absoluta certeza de que ele havia, um dia, de mudar a minha vida. Certamente reparou que estava fixada a olhar para ele, porque, para meu espanto, afastou-se da multidão e dirigiu-se-me, pegando-me na mão, apertando-a firmemente e perguntando-me num inglês irrepreensível: a quem tenho o prazer de beijar a mão? Nevada Hayes-Chapman, disse, recuando um pouco e tentando disfarçar a voz que teimava em atingir-me.
Afonso de Bragança ao seu dispor..., inglesa..., americana..., calculo? Sim, sou americana, mas vim de Paris, onde tenho vivido nos últimos anos, proferi com a voz ainda trémula. E a que devo a feliz coincidência de me encontrar consigo aqui, em Sintra...?
Ahhhhhhhh, disse eu para me dar tempo a recompor. Vim na esperança de conhecer um local encantador e visitar uma querida amiga, a Tennie C., mas por má sorte parece que o destino impediu que nos encontrássemos e fez com que eu aqui viesse parar... Ah, sim, a viscondessa de Monserrate, conheço-a bem. E, até agora, quais são as suas impressões? Há muito que tenho um íntimo desejo de conhecer Sintra, curiosa por sentir o fascínio que exerce sobre mentes tão brilhantes e admiráveis... Parece que o destino a trouxe até aqui… Sim..., disse eu com a voz a fugir-me de novo. Vou ter de partir, por agora, mas gostaria muito de a voltar a ver!
Depressa o informei de que me encontrava hospedada no Hotel Bragança, em Lisboa. Despedimo-nos, ficando a pairar a promessa de um reencontro. Durante a viagem de regresso a Lisboa, e com o coração a querer saltar-me do peito, recordei aqueles breves momentos. Os seus olhos azuis de profunda tristeza, marcados pela tragédia que se abatera no início do ano sobre a sua família, não me saíam do pensamento. Não se falava de outra coisa em toda a Europa, um rei e um príncipe barbaramente assassinados, seu irmão e sobrinho tão amados, num atentado com disparos à queima-roupa que terminou num banho de sangue quando a família real se deslocava num landau aberto no Terreiro do Paço». In Ana Anjos Mântua, A Americana que Queria Ser Rainha de Portugal, Letras & Diálogos, Editorial Presença, Manuscrito, 2017, ISBN 978-989-881-874-4.

Cortesia de L&Diálogos/JDACT