Hetep-Heres, a mãe de Queops
O
tesouro da rainha, mãe do rei
«(…) Se o estranho túmulo de
Hetep-Heres, espécie de relicário que lembra o túmulo de Tutancámon, abrigava
os chamados canopos destinados a receber as vísceras da rainha, ignoramos por
que razão a múmia foi deslocada, supondo que alguma vez tenha estado no sarcófago.
Será que uma alteração do programa arquitectónico levou os construtores a escavar
outro túmulo para a rainha? Será que consideravam Hetep-Heres como uma faraó, dispondo
assim de uma sepultura para o seu corpo mumificado e outra para o seu ser luminoso?
Talvez novas escavações em Dahxur e Gize nos tragam respostas. Esperemos que um fotógrafo
ponha o pé no lugar certo...
A enigmática Meresanq
Uma grande linhagem
Os nomes de Quéops, Quéfren e
Miquerinos celebrizaram-se graças às suas três pirâmides erigidas no planalto
de Gize. Esta prodigiosa quarta dinastia (cerca de 2613-2498 a.C.) viu nascer
estes gigantes de pedra, verdadeiros centros de energia espiritual, raios de
luz petrificados que permitiam à alma real ascender aos céus para se juntar às
divindades e guiar os humanos sob a forma de estrela. Os baixos-relevos das
sepulturas desta época mostram-nos um Egipto próspero, cuja riqueza se baseia
numa administração rigorosa e eficaz, numa agricultura diversificada, numa
criação desenvolvida e num artesanato de excepcional qualidade. Entre as altas
personalidades da corte houve três mulheres com o mesmo nome, Meresanq,
que parecem formar uma linhagem. Duas possíveis traduções para este nome notável:
ou Ela ama a vida ou a Viva (uma deusa, provavelmente Hator) ama-a.
Seja qual for a solução, o relacionamento directo de uma linhagem feminina com
o conceito essencial de vida sublinha uma vez mais o papel proeminente
da mulher na civilização do Antigo Egipto. Não sabemos nada acerca da primeira
Meresanq; foi talvez a mãe do faraó Snefru, fundador da quarta dinastia e
construtor de duas colossais pirâmides na estação de Dachur. A segunda
Meresanq parece ter sido filha de Quéops. A terceira reserva-nos uma
magnífica surpresa.
Numa das ruas de sepulturas
do planalto de Gize, a leste da pirâmide de Quéops, abre-se a estreita porta de
uma bela e grande morada eterna escavada na rocha para Meresanq III. A sepultura
fora preparada por uma rainha de nome Hetep-Heres, como mãe de Quéops, mas que
não devemos confundir com ela, existe uma dificuldade insuperável em
estabelecer as genealogias egípcias! Esta Hetep-Heres era a filha de Quéops;
tinha, pois, o nome da sua mãe e era muito dedicada à sua filha Meresanq, a
terceira com o mesmo nome, e certamente esposa do rei Quéfren. Ao entrarem
no túmulo desta terceira Meresanq, um choque! Uma visão única, um conjunto
esculpido que, tanto quanto sabemos, só
existe nesta morada eterna. Brotando da pedra, uma confraria
formada por dez mulheres de pé, de idades compreendidas entre a adolescente e a
mulher madura. (dois grupos distintos: o primeiro formado por três mulheres, encabeçadas
pela superior e o segundo por sete, quatro adultas e três mais jovens, por
ordem decrescente de estaturas). Quando penetramos pela primeira vez neste
lugar que nos enfeitiça, temos a impressão de que estas mulheres estão vivas,
que os seus olhos nos contemplam e que continuam a proferir as frases rituais
indispensáveis ao bom andamento do mundo. E à medida que permanecemos neste
lugar de uma rara força, a impressão confirma-se. Intimamente ligadas à rocha,
estas estátuas foram animadas por magia e contêm ainda o ka, o poder imortal que faz delas
estátuas da Luz.
Como
Meresanq tinha acesso à Casa da Acácia, podemos supor que está representada na companhia
das irmãs da confraria, e que a transmissão se faz da mais antiga à mais
nova, passando por etapas intermédias. De resto, duas delas abraçam-se: a mais
velha pousa o braço esquerdo sobre os ombros da sua discípula, a qual passa o
braço pela cintura da sua iniciadora. Um profundo sentimento de comunhão
desprende-se deste grupo de dez mulheres unidas para sempre pelos laços de uma mesma
experiência de eternidade; contemplando-as no silêncio da capela, compreendemos
a verdadeira dimensão das egípcias. A mãe, Hetep-Heres, é igualmente
representada com a sua filha Meresanq em diversos episódios rituais, durante os
quais a mais velha ensina a sua sabedoria à mais nova; é assim que as duas
mulheres exploram os pântanos de barco para colherem flores de lótus. Não se dedicam
apenas ao culto das divindades, também preservam o perfume da primeira aurora, quando
a vida nasceu da Luz. Durante este passeio de barco, a mãe revela à filha o
segredo do lótus, a partir do qual se desenvolveu a Criação». In
Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.
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