A
Mulher que Amou Jesus
«(…) O resto do dia foi
tranquilo. Quando passavam pelos campos ou pelos vilarejos, pessoas juntavam-se
e olhavam-nos, mas não gritavam com eles nem os perturbavam. O sol passou para
o lado esquerdo de Maria e começou a descer para o horizonte. As minúsculas
sombras sob as árvores, modestas ao meio-dia, projectavam-se agora muito para lá
dos troncos, como séquitos de príncipes. À frente, a caravana começou a
diminuir o passo, procurando um lugar para acampar durante a noite. Precisavam
de claridade suficiente para garantir a segurança do lugar e, certamente,
haveria dificuldades em relação à água. Os poços representavam sempre
problemas: em primeiro lugar, tinha de se encontrar um que desse para toda a
gente e, além disso, havia a possível hostilidade por parte dos donos do poço.
Já tinham morrido pessoas em disputa por um poço. Dificilmente os samaritanos
diriam aos viajantes que eles eram bem-vindos aos seus poços, lhes ofereceriam
baldes, acrescentando: bebam à vontade e dêem água também aos vossos animais.
Os líderes do grupo escolheram
uma área ampla, plana, próximo da estrada, com vários poços. O lugar era ideal,
desde que fossem deixados em paz. Por enquanto, havia pouca gente por perto e
os galileus ergueram as suas tendas sem problemas, deram água aos animais de
carga e usaram-na para si próprios. Depois de se terem estabelecido, foram
colocadas sentinelas nos limites do acampamento. A fogueira crepitava, tal como
Maria gostava. Significava que o fogo tinha uma personalidade e queria falar
com eles. Pelo menos, ela sempre assim o pensara. A tenda, feita de pele de
cabra, era grande o bastante para toda a família, tal como ela também gostava.
Era bom estar sentada em volta do fogo, saber que estavam todos no mesmo
círculo.
Agora, olhando para cada um, para
o seu irmão Eli, tão bonito, e para o seu outro irmão, Silvanus, não tão bonito
mas fascinante, sentiu de repente o receio de que no próximo ano, por volta
desta altura, um deles já estivesse casado, e que talvez até já tivesse um
filho, e que não continuasse na tenda da família, mas numa tenda sua. Não
gostava da ideia. Queria que tudo continuasse como era agora, com todos eles
juntos, sempre e para sempre, protegendo-se uns aos outros. A pequena família,
esse pequeno círculo, tão forte e reconfortante, deveria permanecer para sempre.
E, ao refrescante entardecer da Primavera samaritana, parecia que isso podia
ser verdade.
A noite já ia alta. Maria
adormecera há já bastante tempo, com um cobertor grosso debaixo dela e o seu
capote cobrindo-a. No lado de fora da tenda, as brasas de um pequeno fogo de
atalaia moviam-se isenta e gentilmente, já fracas, como o respirar de um
dragão. Então, de repente, ela acordou; acordou de uma maneira estranha, como
se tivesse tido um sonho aflitivo. Devagar, levantou a cabeça e olhou em volta;
estava tudo pouco nítido, a luz era fraca, mas ela ouvia a respiração próxima
dos outros. O seu coração batia rápido, mas não se lembrava de ter tido um
pesadelo. Por que estaria tão excitada?
Volta a dormir, disse a si
própria. Volta a dormir. Vê, lá fora ainda está totalmente escuro. Ainda se
consegue ver as estrelas todas. Mas ela estava bem acordada e excitada.
Mexeu-se, tentando encontrar uma posição confortável, virou-se no cobertor e
ajeitou enchumaços que lhe serviam de almofada. Quando tentava ajeitar o
cobertor, as suas mãos sentiram qualquer coisa, mesmo ao lado da almofada. Era
meio pontiaguda. Curiosa, apalpou-a e não parecia ser uma pedra: era alguma
coisa mais pequena, mais fina, mas não era uma ponta de flecha nem uma
foicezinha, nem nada de metal. Esgravatou um pouco com os dedos e pôde
sentir-lhe as arestas. Mais ansiosa, pegou no lado duro da tira de couro da sua
sandália e usou-a como espátula, para desenterrar o objecto. Quando acabou por
o conseguir, reparou que tinha algo gravado. Era também pálido e demasiado leve
para ser uma pedra. Segurou o objecto, virando-o de um lado e do outro, mas não
descobriu do que se tratava. Teria de esperar até ao raiar do dia. E então, de
repente, quase por milagre, adormeceu». In Margaret George, A Paixão de Maria
Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
Cortesia de
SdeEmergência/JDACT