«(…) O Guardião e o seu Assistente eram homens cujas vidas tinham inegável valor para ele, mas esse valor foi considerado menor que os riscos que eles representavam. O secretário tinha ficado tão absorto mns seus pensamentos que, a princípio, não notou o silêncio do outro lado da linha. De repente, entretanto, o silêncio disparou um alarme. Despertando dos seus devaneios, inclinou-se para a frente. O que aconteceu? O que deu errado? O facto de que ele sabia que estávamos chegando; talvez seja mais relevante do que o senhor imagina. O secretário estremeceu. Era um homem que não gostava de surpresas. Inclinou-se mais para a frente, pressionando o telefone contra o ouvido. Fale! Ele chegou ao gabinete antes que eu pudesse acabar com ele. Algo não me pareceu muito certo naquele momento, mas eu não podia demorar-me mais. Quando voltei hoje de manhã para acompanhar os acontecimentos, as minhas suspeitas se confirmaram. Continue, ordenou o secretário, mantendo uma calma, que conseguia manipular depois de muito treinamento. Tinha décadas de experiência em receber más notícias. Controle nos momentos difíceis, sempre soube, era importante. Um bom líder estava no seu nível mais feroz e mais temível quando estava no seu nível máximo de calma. Tinha um livro sobre a mesa dele, disse o Amigo. Três das páginas estavam faltando; tinham sido arrancadas. Eu as encontrei queimadas na lixeira perto da cadeira dele. Fez uma pausa, permitindo que o secretário digerisse os detalhes. Não esperava ou aguardava uma resposta. Não era assim que o relacionamento deles funcionava. Esperava-se que ele dissesse o necessário. Se quisesse ouvir mais, o secretário perguntaria. O homem mais velho ficou pensando no estranho relato. Então, havia algo que o Guardião não queria que o seu assassino visse. Mesmo à beira da morte, estava determinado em despistá-los. As próximas palavras do secretário tinham um tom de ameaça misturado ao de um questionamento. Obteve detalhes sobre o livro? Claro, senhor! Tentou relaxar os músculos dos ombros. O Amigo fora bem treinado. Quero os detalhes na minha mesa dentro de meia hora. Consiga-os para mim enquanto estiver a caminho de Washington. A caçada não ia terminar daquele jeito. E me traga um exemplar desse livro.
Washington, D.C..10H45 (9H45 em Minnesota)
A notícia que estava na pasta vermelha
nas suas mãos era perturbadora, mas não superava muito nos seus detalhes o que
a loira atrás do letreiro eletrónico da CNN estava reportando no televisor do
outro lado da sala. Tinha eliminado o som do aparelho poucos minutos antes que o
seu assistente entrasse na sala. A âncora anunciara a notícia da explosão no
Reino Unido e um helicóptero sobre o local filmava e transmitia ao vivo cenas
das ruínas, mas, além do horário da explosão e de imagens da extensão dos
danos, pouco mais se sabia naquele estágio da investigação. Uma importante
igreja antiga, marco da herança inglesa, fora destruída por uma bomba no início
da manhã. Não havia vítimas registadas, apenas a perda em termos sentimentais e
históricos. Alguém reivindicou a responsabilidade?, perguntou ele. Não, sr.
Hines, respondeu o assistente. Jefferson cerrou os dentes em reacção à falta de
respeito daquele jovem. Não se referir a ele mencionando o seu cargo era, ele
sabia, totalmente intencional. A CIA está acompanhando o Serviço de Inteligência
Britânico na busca de informações, mas, até agora, nem mesmo os loucos de
sempre estão disputando a responsabilidade. Hines processou a informação, ou
melhor, a falta de informação. Atentados a bomba eram, em geral, seguidos de
uma chuva de reivindicações de responsabilidade feitas por vários grupos, que desejavam
também a publicidade que acompanhava o ataque à Grande Besta do Ocidente. Havia
excepções, claro, e elas eram suficientemente frequentes para que a falta de
reivindicações do caso actual não disparasse muitos alarmes, mas ainda assim
aquele silêncio era interessante.
Houve alguma resposta formal do
governo britânico? Apenas que estão chocados e horrorizados, envidando todos os
esforços para trazer à justiça os culpados por esse crime hediondo, etc. etc. etc. Mitch Forrester
mexia os dedos no ar num gesto que indicava a falta de sentido daquelas
respostas padronizadas. Ele só trabalhava no escritório de Hines havia seis
meses e, mesmo assim, transmitia os comentários com um ar de quem já ouvira
tudo aquilo antes». In AM Dean, A Biblioteca Perdida, 2012, Editora Prumo, 2012, ISBN
978-857-927-298-1.
Cortesia de EPrumo/JDACT
JDACT, AM Dean, Literatura, Mistério,