Verão de 1979
«(…) De volta à delegacia, em
Tanumshede, Mellberg mergulhou num estado meditativo profundo, nada
característico dele. Patrik também não falava muito, sentado diante dele no
refeitório e ponderando sobre os eventos da manhã. Na verdade, fazia calor
demais para tomar café, mas ele precisava de algo estimulante, e um drinque
estava fora de questão. Sem perceber, ambos abanavam as suas camisas para se
refrescar. Já fazia duas semanas que o ar-condicionado estava avariado, e ainda
não tinham conseguido que alguém o consertasse. De manhã, a temperatura em
geral era tolerável, mas por volta do meio-dia o calor alcançava níveis
insuportáveis. Que diabos significa tudo isso?, disse Mellberg, enquanto coçava
com cuidado a massa de cabelo no alto da cabeça, penteada de forma a esconder a
calvície. Para ser sincero, não tenho a menor ideia. Um corpo de mulher foi
achado sobre dois esqueletos. Se não tivesse ocorrido de facto um assassinato,
eu pensaria em alguma brincadeira, esqueletos roubados de um laboratório de
biologia ou algo assim. Mas não há como ignorar que a mulher foi morta. E
também ouvi um comentário de um dos peritos, que disse que os ossos não
pareciam novos. Claro que isso depende do local onde eles estiveram. Podem ter
sido expostos às intempéries, ou podem ter ficado protegidos. Espero que o
legista consiga dar uma estimativa da idade deles.
Certo, quando acha que receberemos
um primeiro relatório dele? Mellberg franziu o cenho, em expectativa. Provavelmente,
teremos um relatório preliminar hoje, e então ele vai levar mais uns dois dias
para examinar tudo mais detalhadamente. Assim, por enquanto, vamos ter que trabalhar
com a pouca evidência que temos. Por onde anda o resto do pessoal? Mellberg
suspirou. Gosta está de folga hoje. Um maldito campeonato de golfe ou algo
assim. Ernst e Martin estão fora, numa investigação. Annika está em alguma ilha
grega. Ela deve ter pensado que ia chover durante todo o Verão outra vez.
Coitadinha! Não deve ser divertido sair da Suécia justo agora que está fazendo
esse tempo maravilhoso. Patrik lançou a Mellberg outro olhar surpreso e ficou
espantado com a manifestação tão incomum de compaixão. Algo estranho estava
acontecendo com certeza. Mas ele não podia perder tempo preocupando-se com isso
agora. Tinham coisas mais importantes em que pensar. Sei que está de férias
pelo resto da semana, mas você se importaria de assumir o caso?, perguntou
Mellberg. Ernst não tem imaginação suficiente, e Martin é inexperiente demais
para conduzir uma investigação, de forma que realmente precisamos da sua ajuda.
O pedido agradava tanto à vaidade
de Patrik que ele se viu aceitando no acto. É claro que iria enfrentar o
inferno com Erica, mas ele se consolou com o facto de que não demoraria mais do
que quinze minutos para chegar em casa, se a esposa precisasse dele com urgência.
Além disso, com aquele calor, um estava dando nos nervos do outro, e talvez
fosse uma boa ideia ele ficar fora. Primeiro, quero descobrir se alguma mulher
foi dada como desaparecida, disse Patrik. Devemos investigar uma área extensa,
vamos dizer de Strömstad até Gotemburgo. Vou pedir a Martin ou a Ernst para
fazer isso. Acho que os ouvi chegar. Muito bom, é uma óptima ideia. Está no
caminho certo, continue assim. Mellberg ergueu-se da mesa e bateu cordialmente
no ombro de Patrik. Esse percebeu que, como sempre, faria todo o trabalho, e
Mellberg mais uma vez receberia todo o crédito. Mas ele já não se aborrecia com
isso. Não valia a pena. Com um suspiro, pôs as duas xícaras na máquina de lavar
louça. Ele não precisaria usar filtro solar hoje.
Muito bem, todos em pé! Acham que isso aqui é uma maldita pensão onde podem passar o dia todo largados? A voz atravessou camadas espessas de nevoeiro e ecoou de forma dolorosa contra as suas têmporas. Johann abriu um olho, cauteloso, fechando-o de novo no instante em que viu o brilho ofuscante do sol de Verão. Que diabos… Robert, seu irmão, um ano mais velho, virou-se na cama e cobriu a cabeça com o travesseiro. Esse foi arrancado de repente das suas mãos, e ele sentou-se reclamando. Nunca posso dormir um pouco neste lugar? Vocês são dois preguiçosos que acordam tarde todo dia. É quase meio-dia. Se não ficassem vadiando até tarde toda a noite, fazendo sabe Deus o quê, talvez não tivessem que passar metade do dia dormindo. Seria óptimo se me dessem uma ajudinha. Vocês moram aqui de graça e também comem de graça e são dois homens feitos. Não acho que seja demais pedir que deem uma mãozinha a sua pobre mãe. Solveig Hult estava em pé, de braços cruzados. Era uma obesa mórbida, com a palidez de alguém que nunca sai de casa. Seu cabelo estava imundo, emoldurando-lhe a face com cachos escuros desgrenhados. Vocês têm quase trinta e ainda vivem à custa da sua mãe. É, vocês são mesmo homens de verdade. E como sempre têm dinheiro para sair se divertindo toda santa noite, posso saber? Não trabalham, e nunca vejo vocês ajudando em nada com as despesas da casa. Só posso dizer que, se o pai de vocês ainda fosse vivo, ele colocaria um basta nesse comportamento. Já tiveram alguma notícia da Central de Empregos? Era para terem ido lá na semana passada!» In Camila Läkberg, Gritos do Passado, 2004, Edições Dom Quixote, 2010/2011, ISBN 978-972-204-348-9».
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JDACT, Camila Läkberg, Literatura,