domingo, 30 de agosto de 2020

Alexandre VI. Volker Reinhardt. «A vocação ou aptidão pessoal não desempenhavam um papel importante para se ingressar no sacerdócio. Somente com as reformas do Concilio de Trento (1545-1563), essa disposição individual passou a ser normativa»

Cortesia de wikipedia e jdact

De Xátiva a Roma. 1378-1458. As Origens dos Bórgia

«(…) É chegado, assim, o momento do penúltimo salto na trajectória do prelado político. Como homem de seu rei, recebeu o chapéu eclesiástico vermelho em 1444. Afonso não teve sequer de insistir excessivamente com o papa. O rigoroso jurista espanhol era muito benquisto às margens do Tibre. Idoso, sem raízes dentro do aparato curial e não muito rico, ele não representava uma ameaça para ninguém. No entanto, aquele que reinava sobre Nápoles e Sicília contava agora com um activo defensor dos seus interesses dentro do Senado da Igreja. Da sua residência, nos arredores da sua igreja titular Santi Quattro Coronati, próximo a Latrão, Alonso de Borja nunca perdeu de vista as obrigações de cliente perante seu patrão, continuando a trabalhar incansavelmente para seu senhor, fosse na concessão de benefícios, fosse em questões eclesiásticas.

Essa lealdade cega era apenas um lado da moeda. Como um dos vinte cardeais, o homem de Xátiva pertencia agora à elite de liderança exclusiva da Igreja. E essa cor púrpura brilhou muito além das dependências da cúria. As cabeças coroadas do mundo dirigiam-se a um cardeal como meu primo. Isso porque ele era um príncipe da Igreja, usufruía de poder, mas não de soberania. Se dependesse dos próprios cardeais, isso era algo que estaria prestes a mudar. Como grupo, eles estavam tentando garantir a autonomia nas tomadas de decisão da Igreja, pressionando o papa a ser o órgão executivo de sua vontade. Mas o papa, por sua própria natureza, não estava de acordo e reagiu contrariamente. Aproximadamente na metade do século XV, essa questão relacionada ao poder dentro da cúria ainda não estava definitivamente esclarecida.

Para o novo cardeal, no entanto, era o momento de expressar o seu agradecimento. Seguida de Deus e do rei, a próxima na fila era a sua família. E, com ela, o círculo de apoio formado por amigos, ou seja, seus valiosos aliados. Pairavam sobre aquele que atribuía o sucesso apenas a si mesmo fortes suspeitas do grave pecado do orgulho e da soberba, que já fora responsável pela queda de Lúcifer do céu para o inferno. A virtude da piedade, a submissão reverente aos costumes dos antepassados e o perfeito elo com sua devoção ajudavam contra os impulsos de seu dilatado ego. Concretamente, obrigava-se que parentes e amigos, e justamente nessa ordem, recebessem as bênçãos da elevação. Assim sendo, dois sobrinhos de Alonso ocupavam o topo dessa hierarquia. Ambos eram fruto do casamento de sua irmã Isabel com dom Jofre de Borja, um descendente do ramo principal da família: Rodrigo, o futuro Alexandre VI, bem como seu irmão Pedro Luís. Rodrigo foi designado, ainda muito jovem, a seguir a carreira eclesiástica. Esse era o plano de carreira típico daquela época. Com um membro da família sentado na cadeira episcopal de Valência, seria uma falha injustificável abrir mão desse privilégio. As posições de liderança dentro da Igreja eram herdadas geralmente de acordo com o celibato, não de pai para filho, mas de tio para sobrinho. Regulamentada por regras minuciosamente elaboradas, a prática da concessão de benefícios oferecia grandes oportunidades para isso. Embora o papado tenha sofrido muitas perdas durante o cisma, muitos dos prestimónios mais lucrativos continuaram a ser concedidos em Roma, ainda que, muitas vezes, em conjunto com os governantes seculares. A vocação ou aptidão pessoal não desempenhavam um papel importante para se ingressar no sacerdócio. Somente com as reformas do Concilio de Trento (1545-1563), essa disposição individual passou a ser normativa. Para a profissão do jovem Rodrigo Borja, a elevação de Alonso foi fundamental. Carreiras como a do grande jurista formavam o elemento móvel de uma sociedade que vinha se consolidando de forma considerável, particularmente na Itália. Cada prelado que conseguisse chegar à cúpula da Igreja levava prontamente consigo a sua família, munido do afã indomável de lá se estabelecer por tempo indeterminado. Esse mecanismo frustrava não apenas os romanos natos, mas também escasseava os recursos para os futuros jovens promissores. E, com isso, anunciavam-se graves conflitos na distribuição de recursos. Como muitos fizeram antes e depois dele, o cardeal de Xátiva também tomou medidas de precaução para garantir a futura posição dos seus. Ele deve ter levado Rodrigo para Roma por volta de 1449. Naquela época, seu protegido, que curiosamente após a morte do pai tinha-se mudado com a mãe para o desocupado palácio episcopal de Valência, já estava bem arranjado, com cargos dentro da Igreja e bons vencimentos. Um cónego em Xátiva, por exemplo, gozava de rendimentos consideráveis. Era mérito do seu ilustre filho cardeal Alonso que houvesse cónegos na pequena cidade. Alonso tinha promovido a paróquia local para colegiado, isso também é piedade. Para além de uma longa missão diplomática ao serviço do papado, Rodrigo Borja, cujo nome está mudando gradualmente para a forma italiana Borgia, não deverá mais abandonar a Itália». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o Papa Sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9

 

Cortesia EEuropa/JDACT

 

JDACT, Volker Reinhardt, Escrita, Vaticano,