sábado, 29 de agosto de 2020

O Legado dos Templários. Steve Berry. «Lembra-te de tudo o que te ensinei. A voz rouca cedeu à doença, mas existia ainda firmeza no seu tom. Não sei ao certo se quero ser grão-mestre…»

jdact

Abbaye des Fontaines. Pirinéus Franceses. 17h00

«(…) Quem me dera sentir o cheiro da água, murmurou o mestre. O senescal olhou em direcção à janela. As vidraças do século XVI encontravam-se abertas e permitiam que o aroma doce das pedras molhadas e da vegetação verde enchesse o quarto. Ao longe, a água bramia. O seu quarto tem uma vista magnífica. Foi uma das razões que me levou a querer ser grão-mestre. O senescal sorriu, sabendo que o mestre estava apenas a brincar. Lera as Crónicas e sabia que o seu mentor ascendera àquele lugar por ser capaz de se adaptar a cada viragem do destino com a mestria de um génio. A sua liderança caracterizara-se pela paz, mas tudo isso iria mudar em breve. Devo rezar pela sua alma, disse o senescal. Há tempo para isso mais tarde. É preciso que te prepares. Para quê? Para o conclave. Reúne os votos. Prepara-te. Não dês tempo aos teus inimigos para se organizarem. Lembra-te de tudo o que te ensinei. A voz rouca cedeu à doença, mas existia ainda firmeza no seu tom. Não sei ao certo se quero ser grão-mestre. Queres. O amigo conhecia-o bem. A modéstia exigia que recusasse o manto, mas ele desejava aquela posição mais do que qualquer outra coisa na vida. Sentiu a mão do mestre a tremer. E foram precisos alguns minutos para que ele recuperasse. Já preparei a mensagem. Está ali, sobre a mesa. Também estava a par que seria responsabilidade do próximo mestre estudar aquele testamento. O dever tem de ser cumprido, afirmou o mestre. Tal como tem acontecido desde o Início.

O senescal não queria ouvir falar do dever. Estava mais preocupado com os sentimentos. Olhou em redor do quarto, mobilado apenas com uma cama, um genuflexório virado para um crucifixo de madeira, três cadeiras com uma almofada bordada, uma escrivaninha e duas estátuas antigas de mármore colocadas em nichos na parede. Tempos houvera em que aquele quarto estivera repleto de peles espanholas, porcelanas de Delft, mobiliário inglês. Contudo, a audácia há muito que fora expurgada do carácter da Ordem. Assim como do seu.

O mestre estava com dificuldade em respirar. Observou o homem ali deitado num torpor febril e doente. O grão-mestre recuperou o fôlego, pestanejou umas quantas vezes e depois disse: ainda não, meu amigo. Em breve.

Malone esperou até um pouco depois da hora marcada para o início do leilão e só nessa altura entrou. Estava familiarizado com os procedimentos e sabia que as licitações não começariam antes das dezoito e vinte, pois havia ainda assuntos relativos aos registos de compradores e acordos de vendedores que precisavam de ser verificados antes de o dinheiro começar a mudar de mãos. Roskilde era uma cidade antiga aninhada ao lado de um estreito fiorde de água salgada. Fundada pelos Vikingues, fora a capital da Dinamarca até ao século XV e continuava envolta num ambiente régio. O leilão ia ter lugar na baixa, perto da Domkirke, a catedral, num edifício à saída da Skomagergade, uma rua outrora dominada por sapateiros. Na Dinamarca, a venda de livros era uma forma de arte e havia um profundo interesse nacional pela palavra escrita, que Malone como bibliófilo muito apreciava. Os livros haviam começado por ser apenas um passatempo, uma distracção das pressões da sua profissão arriscada, mas agora eram a sua vida. Ao ver Peter Hansen e Stephanie na fila da frente, deixou-se ficar para o fundo, atrás de um dos pilares que suportava o tecto abobadado. Não fazia tenções de licitar, por isso pouco importava se o leiloeiro o via ou não. Os livros iam e vinham a troco de grandes quantias de dinheiro. Reparou que Peter Hansen esticou o pescoço quando o livro seguinte foi apresentado.

Pierres Gravées du Languedoc, de Eugène Stüblein. Copyright de 1887, anunciou o leiloeiro. Uma história local, bastante comum naquela época. Foram impressas apenas algumas cópias. Esta faz parte de um lote que adquirimos recentemente. É um livro muito bonito, capa em pele, sem defeitos e com gravuras extraordinárias, uma delas reproduzida no catálogo. Não é nosso hábito fazê-lo, mas este volume é encantador e, por isso, pensámos que seria interessante mostrá-la. Podem começar a licitar, se fazem favor. Seguiram-se três ofertas, sendo a última de quatrocentas coroas. Malone fez as contas. Dava sessenta e quatro dólares. Hansen acenou para oitocentas. Nenhum dos outros licitadores avançou mais propostas até que um dos funcionários destacados para atender as chamadas telefónicas daqueles que não podiam estar presentes anunciou uma oferta de mil coroas. Hansen parecia preocupado com o desafio inesperado, em especial vindo de um licitador anónimo, e subiu a sua oferta para mil e cinquenta coroas». In Steve Berry, O Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.

Cortesia PdomQuixote/JDACT

JDACT, Literatura, Steve Berry, Templários,