Palestina. Abril de 1948
«(…)
Os olhos do homem pareceram penetrar nele, e por um momento uma estranha
inquietação o dominou. Aquele emissário claramente já havia enfrentado dilemas.
Haddad admirava a coragem. Vocês travam uma guerra desnecessária, contra um
inimigo mal-informado, disse o homem. Do que, em nome de Deus, você está
falando? Isso é para o conhecimento do próximo convidado. A manhã estava
chegando ao meio. Haddad precisava dormir. Com esse prisioneiro, havia esperado
descobrir a identidade de alguém da clandestinidade judaica, talvez até dos
monstros que haviam trucidado aquelas pessoas na véspera. Os ingleses desgraçados
estavam fornecendo espingardas automáticas e tanques aos sionistas. Durante
anos os ingleses haviam considerado ilegal os árabes possuírem armas, o que os
havia deixado numa séria desvantagem. Certo, os árabes existiam em maior
número, mas os judeus estavam mais bem preparados, e Haddad temia que o
resultado dessa guerra fosse a legitimidade do Estado de Israel. Olhou de volta
para uma expressão dura, inabalável, olhos que jamais se afastavam dos seus, e
soube que aquele prisioneiro estava preparado para morrer. Matar havia-se tornado
muito mais fácil para Haddad nos últimos meses. As atrocidades dos judeus
ajudavam a aplacar o pouco que restava da sua consciência. Tinha apenas 19
anos, e seu coração havia-se transformado em pedra. Mas guerra era guerra. Por
isso puxou o gatilho.
Copenhaga, Dinamarca. 4 de Outubro
Cotton Malone olhou directo no
rosto da encrenca. Do lado de fora da porta aberta da sua livraria estava sua
ex-mulher, a última pessoa que ele esperava ver ali. Registou rapidamente o
pânico nos olhos cansados dela, lembrou-se das batidas que o haviam acordado
alguns minutos antes e pensou instantaneamente no filho. Onde está Gary?,
perguntou. Seu filho-da-pu… Eles o pegaram. Por sua causa. Pegaram meu filho. Ela
saltou à frente, os punhos fechados chocando contra os ombros dele. Seu
filho-da-pu… desgraçado. Malone agarrou os punhos da mulher e parou o ataque enquanto
ela começava a chorar. Deixei-te por causa disso. Achei que esse tipo de coisa
tinha acabado. Quem pegou o Gary? Mais soluços foram a resposta. Ele continuou
segurando os braços dela. Pam. Escute. Quem pegou o Gary? Ela o encarou. Como,
diabos, vou saber? O que está fazendo aqui? Por que não procurou a polícia? Porque
disseram para não fazer isso. Disseram que, se eu chegasse perto da polícia, o
Gary estaria morto. Disseram que saberiam, e eu acreditei. Quem disse? Ela
soltou os braços, o rosto inundado de fúria. Não sei. Só disseram para eu
esperar dois dias, depois vir aqui e lhe dar isto. Remexeu na bolsa a tiracolo
e pegou num telefone móvel. Lágrimas continuavam a escorrer-lhe pelas bochechas.
Disseram para se conectar e abrir o seu email. Ele teria ouvido direito? Se
conectar e abrir seu e-mail? Desdobrou o telefone e verificou a frequência.
Megahertz suficientes para torná-lo capaz de conexões mundiais. O que o fez
pensar. Subitamente se sentiu vulnerável. A Hojbro Plads estava silenciosa. À
esta hora, ninguém andava pela praça. Seus sentidos despertaram. Entre. Puxou-a
para a loja e fechou a porta. Não havia acendido nenhuma luz. O que é?,
perguntou ela, a voz despedaçada pelo medo.
Ele a encarou. Não sei, Pam. Diga
você. Nosso filho parece ter sido levado por não sei quem, e você espera dois
dias antes de contar a qualquer pessoa? Não acha isso maluco? Eu não iria
colocar a vida dele em risco. E eu iria? Como é que eu já fiz isso? Sendo você
mesmo, disse ela em tom gelado, e ele instantaneamente se lembrou do motivo
pelo qual não vivia mais com a mulher. Um pensamento lhe ocorreu. Ela nunca
estivera na Dinamarca. Como me encontrou? Eles me explicaram. Quem, diabos, são
eles? Não sei, Cotton. Dois homens. Só um falava. Alto, moreno, rosto chato. Americano?
Como é que eu vou saber? Como ele falava? Ela pareceu se controlar. Não. Não
era americano. Tinha sotaque. Europeu. Ele gesticulou com o telefone. O que
devo fazer com isto? Ele mandou que você abrisse o seu e-mail e tudo seria explicado.
Pam Malone olhou nervosa as estantes ao redor, imersas em sombras. Lá em cima,
não é? Gary devia ter dito a ela que ele morava em cima da loja». In Steve
Berry, O Elo de Alexandria, 2007, Edições Dom Quixote, 2008, ISBN
978-972-203-427-2.
Cortesia de EdomQuixote/JDACT
JDACT, Steve Berry, Palestina, Literatura,