De Xátiva a Roma. 1378-1458. As Origens dos Bórgias
«(…) Era imensa a
necessidade de concessão de graças e indultos, ou seja, dispensas provenientes
dessas complicadas regras. Por outras palavras: no palácio do vice-chanceler
convergiam laços, por meio dos quais era possível estabelecer ligações com os
poderosos de todo o planeta. Permissão para casar, apesar do grau de parentesco
muito próximo, legitimação de filhos bastardos, absolvição de promessas
incômodas: tudo isso tinha o seu valor de contrapartida e sua utilidade. E, principalmente,
o vice-chanceler passou a ter acesso irrestrito a desagradáveis segredos que os
poderosos não queriam que se tornassem públicos.
A nomeação de Rodrigo a bispo de Valência elevou ainda mais
a sua posição e aumentou seus rendimentos. E, pouco depois, ao elevado posto
dentro da Igreja, juntou-se também uma posição de liderança secular. Calisto
III nomeou seu talentoso sobrinho, sem a menor cerimónia, como capitão das
tropas papais na Itália. Um cardeal como general: isso foi uma ofensa para muitos.
A enorme quantidade de postos atribuídos a outro sobrinho, Pedro Luís, irmão de
Rodrigo, também provocou escândalos. Ele recebeu numerosos cargos no Estado
Pontifício, entre eles a castelania do Castelo de Santo Ângelo. Como resultado,
passou a comandar a inexpugnável fortaleza da cidade de Roma: uma prevenção
para os tempos de crise. Pedro Luís, que estava destinado a ser o herdeiro da
aristocrática dinastia Bórgia, ganhou, acima de tudo, os feudos que tinham sido
perdidos pelos barões romanos. Indo ao encontro
desses propósitos, especialmente nos territórios dos Orsini, foram tomados
todos os castelos, com seus respectivos direitos de jurisdição, tributação e
recrutamento de tropas. A sua amargura foi ainda maior quando o cardeal Orsini,
o fazedor de papas, contabilizou recompensas no lugar de
desapropriações.
Calisto derrotou os Orsini, mas o que ele queria mesmo era
atingir seu patrão, o rei Afonso. As suas relações com Nápoles tinham piorado
rapidamente. A exigência do monarca de continuar a condescender com ele nos
âmbitos políticos do clero, ou seja, nomear candidatos convenientes para o
bispado e conceder lucrativos prestimónios ao seu protegido, foi considerada um
atrevimento e, por isso, recusada. O papa já não tinha a menor predisposição
para esses servicinhos de capelão. A situação progrediu de tal maneira que
chegou a recusar favores a Afonso, favores esses, que concedia em provocante
abundância aos membros de sua família. Divergências políticas importantes
agravaram a contenda. Calisto acreditava ter identificado, na táctica dilatória
de Nápoles, o principal obstáculo para a realização de seu grande plano, que
era reprimir os otomanos. No Outono de 1457, o rei ameaçou o papa com concilio
e deposição; este, por sua vez, ameaçou o rei com privação de enfeudamento. De
repente, como numa poderosa encenação teatral, no ápice do conflito, um dos
dois protagonistas retirou-se do palco. Em 27 de Junho de 1458, morreu Afonso
V, de cognome o Magnânimo.
Mesmo com idade avançada, seu adversário começou a entrar em acção. Ele proibiu
o filho ilegítimo de Afonso, Fernando de Aragão, mais conhecido como dom
Ferrante, sucessor designado para a região continental do sul da Itália, de
usar seu título de rei. Revogou ainda o juramento de fidelidade de seus súbditos
e assumiu o reino como um feudo que fora devolvido à Igreja.
Ao mesmo tempo, o papa concedeu a Pedro Luís a função de
comandante supremo das tropas que liderariam a inevitável guerra contra
Nápoles. Além disso, transferiu para seu sobrinho o vicariato de Benevento e
Terracina, que tinha sido ocupado pelo falecido monarca. O nepote regia esse
enclave romano no reino de Nápoles, como o título mesmo indica, literalmente
como substituto do papa; a experiência demonstrou, contudo, que esses
vicariatos, de facto,
transformaram-se rapidamente em grandes
domínios autónomos. Como já mostrado no drástico agravamento das relações com
os Orsini, essa concessão demonstrava também o que os Bórgia realmente tinham
em vista: o trono de Nápoles». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o papa
sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9.
Cortesia de EEuropa/JDACT
JDACT, Volker Reinhardt, Vaticano, Escrita,