«(…) Após dois meses, o tema da infalibilidade papal foi apresentado ao Concilio. A maioria dos bispos presentes ficou surpresa, chocada e indignada. Alguns líderes eclesiásticos que abriram a boca para falar contra a manobra foram calados com prisão domiciliar, enquanto outros fugiram. Um deles foi fisicamente agredido pelo próprio papa. Apesar da intimidação, apenas 49% dos bispos votaram a favor da infalibilidade papal, mas em 18 de Julho de 1870 declarou-se que a maioria havia votado a favor, e o papa foi declarado infalível. Apenas dois meses mais tarde, soldados italianos entraram em Roma e confinaram o recém-infalível papa aos limites da Cidade do Vaticano; uma reacção divina, talvez, à sua falta de humildade.
Naturalmente, o desejo do papa e
de seus seguidores era que a doutrina da infalibilidade protegesse o Vaticano
contra os desafios que vinha enfrentando, em especial o criticismo bíblico e as
descobertas arqueológicas.
O objectivo dos modernistas, por
outro lado, era precisamente o oposto. Eles buscavam revisar o dogma da Igreja
à luz de suas descobertas académicas. Os indícios históricos produzidos por
suas pesquisas vinham ajudando a desenredar os mitos criados e perpetuados pela
Igreja, principalmente o mito sobre Jesus Cristo. Os modernistas igualmente se opunham
com veemência à centralização do Vaticano. O movimento modernista era, na
época, particularmente forte em Paris, onde o director do seminário de
Saint-Sulpice de 1852 a 1884 foi um teólogo irlandês chamado John Hogan. Hogan
aceitava de bom grado e encorajava os estudos modernistas no seminário. Com
efeito, o cónego Lilley o considerava a maior influência individual sobre o que
se tornou o modernismo. Muitos alunos de Hogan também compareciam a palestras
do especialista em assiriologia e hebraico, padre Alfred Loisy, que dirigia o
Instituto Católico em Paris e era um modernista famoso.
A princípio, o Vaticano
aparentemente não se incomodou. O novo papa, Leão XIII (eleito em 1878 e
falecido em 1903), confiava o bastante na força da posição da Igreja para
permitir que os especialistas tivessem acesso aos arquivos do Vaticano, sem se
dar conta do que viriam a descobrir nem das doutrinas da Igreja que tais
descobertas acabariam pondo em xeque. Ele não tardou a perceber que esse
academicismo representava uma grave ameaça aos próprios fundamentos da Igreja.
Pouco antes de morrer, em 1903, o papa Leão XIII tomou providências para
reparar os danos. Em 1902, criou a Pontifícia Comissão Bíblica para
supervisionar o trabalho de todos os especialistas em teologia e para assegurar
que eles não se afastassem dos ensinamentos da Igreja. A Comissão possuía
estreito vínculo com a Inquisição (maldita), tendo sido dirigida pelo mesmo
cardeal.
O perigo, aparente para todos,
foi sucintamente expresso pelo padre Alfred Loisy: Jesus proclamou a vinda do
Reino, mas o que veio foi a Igreja. Loisy, entre outros modernistas, acreditava
que os estudos históricos realizados durante aquele período tornavam impossível
a manutenção de vários dogmas da Igreja: dogmas como a fundação da Igreja por
Jesus, seu nascimento de uma virgem e sua filiação divina, em essência, a
própria divindade de Jesus. O principal modernista britânico, George Tyrell, se
opunha à incansável autoridade autocrática do Vaticano. A Igreja, para ele, não
tinha por que ser um Instituto da Verdade oficial. Claro que este era exactamente
o papel que ela considerava seu». In Michael Baigent, Os Manuscritos de Jesus,
Editora Nova Fronteira, 2006, ISBN 978-852-091-898-2.
JDACT, Michael Baigent, Literatura, Religião,