«No
princípio de nossa pesquisa não sabíamos exactamente o que estávamos procurando
ou, naquele contexto, o que estávamos vendo. Não tínhamos teorias ou hipóteses.
Começamos sem a intenção de provar coisa alguma. Pelo contrário, estávamos
simplesmente tentando encontrar uma explicação para um pequeno e curioso enigma
do século XIX. As conclusões a que posteriormente chegámos não foram
previamente postuladas. Fomos conduzidos a elas, etapa por etapa, como se as
evidências que havíamos acumulado possuíssem vida própria, como se elas nos
estivessem dirigindo de acordo com seus próprios desígnios.
No início acreditamos que se
tratasse de um mistério local intrigante, sem dúvida, mas de significado
essencialmente confinado a uma cidadezinha do interior da França. Um mistério
de interesse puramente académico, embora envolvesse factos históricos fascinantes.
Pensávamos que nossa investigação pudesse iluminar certos aspectos da história
do Ocidente, mas de forma alguma imaginávamos que ela implicaria reescrevê-la.
Imaginávamos ainda menos que qualquer descoberta que fizéssemos pudesse ter relevância
para o mundo contemporâneo, e de forma explosiva.
Nossa busca, porque era realmente
uma busca, começou com um enredo mais ou menos banal, à primeira vista não
muito diferente de inúmeras outras histórias de tesouros ou mistérios não
desvendados, que abundam na história e no folclore de quase todas as regiões rurais.
Uma versão dela havia sido publicada na França, onde atraíra um interesse
considerável, mas, até onde pudemos saber, nenhuma consequência maior lhe fora
atribuída. Mais tarde soubemos que essa versão continha uma série de erros.
Para começar, entretanto, devemos recontar a fábula tal qual ela foi publicada
nos anos 60, com as informações de que dispúnhamos então.
Rennes-le-Chateau
e Berenger Saunière
Uma minúscula cidadezinha
francesa, Rennes-le-Château, recebeu no dia primeiro de Julho de 1885 um novo
pároco: Berenger Saunière, um homem de 33 anos, robusto, atraente, energético e
brilhante. No seminário, parecia estar destinado a uma carreira eclesiástica promissora.
Certamente, almejava algo mais importante que uma cidadezinha remota no topo de
uma colina ao leste dos Pirinéus, mas em algum momento ele deve ter caído no
desagrado de seus superiores. Se fez alguma coisa para merecer isso não
sabemos, mas o facto é que perdeu todas as chances de promoção. Talvez para se livrarem
dele, o enviaram a Rennes-le-Château.
Naquele tempo Rennes-Ie-Château
abrigava apenas duzentas pessoas. Era um pequeno povoado pendurado no topo da
serra a 40km de Carcassonne. O lugar teria significado o exílio para um outro homem,
uma condenação perpétua a viver num fim-de-mundo, longe das amenidades urbanas
da época, longe de qualquer estímulo para uma mentalidade vigorosa e
questionadora. A ambição de Saunière sem dúvida sofreu um golpe. Entretanto,
houve compensações. Saunière era originário da região, pois nascera e crescera
perto dali, na cidade de Montagels. Apesar de tudo, Rennesle-Château deve
ter-lhe proporcionado o conforto da familiaridade, do sentimento de estar em
casa.
O salário de Saunière, entre 1885
e 1891, foi, em francos, o equivalente a seis libras esterlinas por ano, longe
de significar opulência, mas muito mais do que se esperaria para um pároco
rural na França do final do século XIX. Somado às gratuidades oferecidas pelos
habitantes da paróquia, tais rendimentos seriam suficientes para viver bem, sem
extravagâncias. Saunière levou uma vida agradável e plácida durante seis anos,
caçando e pescando nas montanhas e rios de sua infância. Leu vorazmente,
aperfeiçoou seu latim, aprendeu grego e embarcou no estudo do hebraico. Uma
camponesa de dezoito anos chamada Marie Denarnaud, sua servente e governanta,
foi para ele companhia e confidente durante toda a vida. Ele visitava com frequência
seu amigo Henry Boudet, pároco da vizinha cidade de Rennes-le-Bains, sob a
tutela do qual mergulhou na turbulenta história da região, uma história cujos
resíduos se apresentavam constantemente ao seu redor.
A poucos quilómetros a sudoeste
de Rennes-le-Château surgia outro pico, chamado Bézu, coberto pelas ruínas de
uma fortaleza medieval, antiga morada de templários. Sobre um terceiro pico, a
cerca de 2km de Rennes-le-Château, se erguiam as ruínas do castelo de Blanchefort,
lar ancestral de Bertrand de Blanchefort, quarto grão-mestre dos templários,
que presidiu a famosa ordem em meados do século XII. Rennes-Ie-Château se
situava numa antiga rota de peregrinação que ia do nordeste da Europa até
Santiago de Compostela, na Espanha. A região era mergulhada em lendas evocativas,
em ecos de um passado dramático, frequentemente embebido em sangue.
Saunière vinha querendo havia já
algum tempo restaurar a igreja local. O edifício, consagrado a Madalena em
1059, repousava sobre fundações de uma estrutura visigótica ainda mais
velha, datada do século VI. Não se admira então que estivesse em péssimo estado
de conservação.
Encorajado por seu amigo Boudet,
Saunière iniciou em 1891 uma restauração modesta, utilizando uma pequena soma
emprestada dos fundos municipais. Durante os trabalhos, removeu o altar-mor,
uma pedra que repousava sobre duas antigas colunas visigóticas. Uma dessas
colunas revelou-se oca. Dentro dela havia quatro pergaminhos guardados em tubos
de madeira selados. Dois desses pergaminhos continham genealogias, uma datada
de 1244 e outra de 1644. Os dois documentos restantes haviam sido compostos,
aparentemente, nos idos de 1780, por Antoine Bigou, um dos predecessores de
Saunière em Rennes-le-Château. Bigou havia sido também capelão pessoal da família
nobre Blanchefort, que no início da Revolução Francesa ainda era uma das mais
importantes donas de terras da região.
Os dois pergaminhos do tempo de
Bigou eram textos virtuosos em latim, extraídos do Novo Testamento. Pelo menos,
aparentavam isso. Num deles, no entanto, as palavras se seguiam de forma incoerente,
sem espaço entre elas. Várias letras supérfluas haviam sido inscritas. No
segundo pergaminho as linhas eram truncadas de forma indiscriminada e
irregular, algumas no meio de uma palavra, enquanto certas letras estavam
evidentemente levantadas acima das outras. Na realidade, os pergaminhos
continham uma sequência de códigos e cifras, alguns deles fantasticamente
complexos e imprevisíveis. Sem a chave certa, eram indecifráveis. A seguinte decodificação
surgiu em trabalhos franceses dedicados a Rennes-Ie-Château, e em dois de
nossos filmes sobre o assunto, realizados para a BBC.
Bergere pas de tentation que
poussin teniers Gardent la clef pax dclxxxi par la croix et ce cheval de
dieu j'acheve ce daemon de gardien a midi pommes bleues. [Pastor, nenhuma
tentação. Que Poussin, Teniers possuem a chave. Paz DCLXXXI (681). Pela
cruz e seu cavalo de Deus, eu completo (ou destruo) este demónio do guardião ao
meio-dia. Maçãs azuis]». In Michael Baigent, Richard Leigh, e Henry
Lincolin, Nova Fronteira, 2015, ISBN 978-852-090-474-9.
Cortesia de ENFronteira/JDACT