O Mistério. Rennes-le-Chateau e Berenger Saunière
«(…)
Se
algumas dessas cifras eram desencorajadoras na sua complexidade, outras eram
patentemente, mesmo flagrantemente, óbvias. No segundo pergaminho, por exemplo,
as letras levantadas, quando tomadas em sequência, formavam uma mensagem coerente.
A dagobert roi et a sion est ce tresor et il est la Mort (A Dagobert rei
e a Sion pertencem este tesouro e ele está aqui morto). Embora esta mensagem
deva ter sido compreensível para Saunière, é de se duvidar que ele possa ter
decifrado os códigos mais intricados. Entretanto, ele percebeu que havia
tropeçado em algo importante. Com o consentimento do prefeito da cidade, levou
sua descoberta até ao seu superior, o bispo de Carcassonne. Não se sabe o
quanto o bispo entendeu, mas Saunière foi imediatamente enviado a Paris,
despesas pagas pelo bispo, instruído a se apresentar a algumas autoridades eclesiásticas
com os pergaminhos. Entre elas estavam o abade Biel, director-geral do
Seminário Saint Sulpice, e seu sobrinho Emile Hoffet, que naquele tempo estava
aspirando à vida religiosa. Embora ainda estivesse nos seus vinte anos, ele já
havia estabelecido uma reputação intelectual impressionante, especialmente em
linguística, criptografia e paleografia. A despeito de sua vocação pastoral,
ele era sabidamente envolvido com o pensamento esotérico e mantinha relações
cordiais com os vários grupos orientados para o oculto, além de seitas e
sociedades secretas que proliferavam na capital francesa.
Estes contactos introduziram
Saunière num círculo cultural ilustre, que incluía figuras literárias como
Stéphane Mallarmé e Maurice Maeterlinck, bem como o compositor Claude Debussy.
Ele também conheceu Emma Calvé que recentemente havia retornado de apresentações
triunfantes em Londres e Windsor. Emma Calvé era como uma diva, a Maria Callas
da época. Ao mesmo tempo, era uma grande pitonisa da sub-cultura esotérica
parisiense, mantendo relações amorosas com vários ocultistas influentes.
Após apresentar-se a Bieil e
Hoffet, Saunière passou três semanas em Paris. O resultado de suas reuniões com
os eclesiásticos é um mistério. O que se sabe é que o padre provinciano foi
pronta e calorosamente recebido no distinto círculo de Hoffet. Afirma-se mesmo que
ele se tornou amante de Emma Calvé, que, segundo um conhecido seu, ficou obcecada
pelo padre. De qualquer modo, não há dúvida de que eles gozaram de uma estreita
e longa amizade. Nos anos que se seguiram, ela o visitou frequentemente nas
vizinhanças de Rennes-Ie-Château, onde, até recentemente, podiam-se encontrar corações
românticos gravados com suas iniciais nas rochas das montanhas.
Durante a permanência em Paris,
Saunière passou também algum tempo no Louvre, o que pode explicar o facto de,
antes de sua partida, haver adquirido reproduções de três pinturas. Uma delas
teria sido um retrato, pintado por um artista não identificado, do papa
Celestino V, que reinou brevemente no final do século XIII. Outra teria sido o trabalho
de David Teniers, não se sabe se o pai ou o filho. O terceiro seria um quadro,
talvez o mais famoso, de Nicolas Poussin, Les Bergers d'Arcadie [Os pastores da Arcádia].
Ao voltar a Rennes-le-Château,
Saunière completou a restauração da igreja. Teria exumado então um bloco de pedra,
curiosamente esculpido, datado do século VII ou VIII, que estaria cobrindo uma câmara
funerária na qual esqueletos teriam sido encontrados. Saunière embarcou também
em projectos mais singulares. No jardim da igreja, por exemplo, havia o
sepulcro de Marie, marquesa de Hautpoul de Blanchefort, desenhado e construído
pelo abade Antoine Bigou, predecessor de Saunière, um século antes,
aparentemente autor de dois dos misteriosos pergaminhos. A inscrição na pedra sepulcral,
que incluía vários erros deliberados de soletração e de espaço, era um anagrama
perfeito para a mensagem contida nos pergaminhos referindo-se a Poussin e
Teniers. Quando as letras eram rearranjadas, formavam a asserção críptica que
já reproduzimos. Os erros pareciam ter sido planeados precisamente com este
fim.
Sem saber que as inscrições na
tumba da marquesa já haviam sido copiadas, Saunière as obliterou, e essa
profanação não foi o único comportamento curioso que ele exibiu. Acompanhado de
sua fiel governanta, começou a fazer longas caminhadas pelo campo, colectando
pedras sem nenhum valor ou interesse aparentes. Também embarcou numa troca
volumosa de cartas com correspondentes desconhecidos em toda a França, bem como
na Alemanha,
Suíça, Itália, Áustria e Espanha. Começou a coleccionar pilhas de selos sem valor
e efectuou transações suspeitas com vários bancos. Um deles até enviou um
representante, que viajou de Paris a Rennes-le-Château com o único objectivo de
tratar de negócios com Saunière.
Só com despesas de correio
Saunière estava gastando mais do que seu salário poderia cobrir. E em 1896 ele
começou a gastar verdadeiramente, numa escala surpreendente e sem precedentes.
Ao final de sua vida, em 1917, suas despesas haviam atingido o equivalente a
vários milhões de dólares». In Michael Baigent, Richard Leigh, e Henry
Lincolin, Nova Fronteira, 2015, ISBN 978-852-090-474-9.
Cortesia de ENFronteira/JDACT
JDACT, Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, Literatura, Religião, Conhecimento,