A Pedra do Exílio
Planalto
de Crécy. 26 de Agosto de 1346
«Rocheblanche já assentava o
derradeiro golpe quando os gritos de Robert chamaram a sua atenção. Voltou-se
apenas a tempo de o ver estremecer sob um golpe desferido a meio da cabeça.
Vermandois vacilou, mas não caiu, e com um movimento inesperado vibrou uma pancada
nos joelhos do adversário, deitando-o por terra.
Não pensando estar fora de
perigo, o cavaleiro voltou-se imediatamente para o seu rival/ agora aturdido
pelo impacto. Girou o pulso para o trespassar na garganta, mas deteve-se um
segundo antes. A luz da Lua insinuara-se finalmente entre as abas do capuz negro,
revelando algo que o fez recuar.
Um rosto de mulher.
Maynard esqueceu-se do ardor do
due1o, combatido entre o fascínio daquela mulher e a curiosidade de saber o que
a levara a atacá-lo.
Porque me atacais?, perguntou-lhe
em tom ameaçador. Os lábios da mulher abriram-se num rosnar impiedoso. A sua voz
era rouca, árida como vento de inverno. Sabemos tudo... Sabemos que sois vós
que o tendes!
Ele fitou-a, desfalecido,
tentando compreender o sentido daquelas palavras. O pergaminho com o anel!,
explicou a mulher, quase desiludida com a sua ingenuidade. Que guardais tão
zelosamente.
Uma recordação relampejou na
mente de Maynard: o rapaz a surpreendê-lo na tenda com o anel na mão. Talvez
aquele episódio não tivesse ocorrido por acaso. Ou talvez o rapaz o tivesse
confiado a alguém, e a informação tivesse chegado aos ouvidos da pessoa
errada... Ligada a Karel do Luxemburgo! Embora ignorasse o que realmente acontecera,
o acto do príncipe de se aproximar com o carro ganhava agora um significado bem
preciso. Cuidado, insinuara com o seu sorriso de serpente, descobri o logro.
O rapaz, exclamou de repente o
cavaleiro. O que lhe haveis feito?-Afeiçoara-se a vós. A desconhecida sorriu,
angelical e cruel. Em vez de continuar a espiar-vos, preferiu morrer e,
aproveitando a hesitação do rival, assestou-lhe: um pontapé no joelho esquerdo.
Rocheblanche caiu, mas, antes de tocar o chão, agarrou-se à capa da mulher para
a arrastar consigo.
Então éreis vós na sacristia da
igreja! Agarrou-lhe o pulso para evitar que lhe trespassasse um olho. Confessai!
Estais às ordens do príncipe Karel? E se estivesse?, sibilou, dominando-o com o
seu corpo franzino.
Dai-me
o pergaminho ou mato-vos! Nunca!» In
Marcello Simoni, A Abadia dos Cem Pecados, 2014, tradução de Inês Guerreiro,
Clube do Autor, 2016, ISBN 978-989-724-278-6.
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