A Pedra do Exílio
Planalto
de Crécy. 26 de Agosto de 1346
«Será
então como dizeis, Rocheblanche, insistiu o picardo, mas espero que no momento
em que esta impressão se transformar numa ameaça tenhais ao vosso lado um
companheiro ousado para vos apoiar.
O cavaleiro evitou replicar e
permaneceu em silêncio até entender ter chegado o momento de virar para leste.
Então, afastou-se com Robert da companhia de Filipe VI, para enveredar pela
estrada que o conduziria a casa. E, como acontecia sempre que cavalgava por
aquele percurso, sentiu-se invadir por um profundo fascínio.
Era a via do rei. A que se
dirigia a Reims, onde os soberanos de França eram consagrados regentes ungidos
com o óleo sagrado de São Remígio, na mística catedral.
Acordou de repente, mas não se
mexeu. Ouvira um rumor. Abriu os olhos, encontrando-se estendido ao lado da
fogueira apagada, sentiu o frio da terra em contacto com os membros, as roupas entranhadas
da humidade da noite. Depois de dois dias de viagem, Rocheblanche e Vermandois
tinham acampado ao ar livre para recuperar as forças e haviam adormecido. Reims
já estava perto.
De novo aquele rumor, desta vez
mais próximo. Maynard mexeu cuidadosamente os olhos, lembrando-se de que
adormecera com o punhal na mão. Ainda não era madrugada, mas a abóbada
estrelada iluminava a clareira e a mata à sua volta com um luar prateado. Foi portanto
com grande clareza que avistou um vulto negro inclinado sobre si próprio.
Aterrorizado, pôs-se de pé,
forçando a perna esquerda, com o resultado de se estatelar na relva. O vulto
reagiu recuando e, depois, avançou de repente, assumindo uma forma elegante. Maynard
entreviu o relampejar de uma lâmina curta e deslizou de lado, mesmo a tempo de
evitar um golpe, respondendo ao ataque erguendo o punhal. Sentiu-o raspar
contra a lâmina inimiga.
Um
inesperado grito de batalha lembrou-o de Vermandois. Olhou pelo canto do olho,
para trás de si, e viu-o manipular uma acha contra um homem armado de espada,
voltando a defender-se. Transpôs a distância que o separava do agressor e pôs-se
em guarda, apontando o punhal e suportando o peso com a perna direita.
Desconhecia a identidade dos dois visitantes nocturnos, mas de certeza que não
se tratava de meros salteadores. Não era porém o momento certo para fazer
perguntas. E quando das trevas surgiu um novo ataque, não se deixou apanhar
desprevenido. Virou o tronco para se esquivar e entrou nas defesas do
adversário para lhe assestar uma forte cotovelada. A figura envolta na capa
acusou o golpe e encolheu-se, embatendo no tronco de uma árvore». In
Marcello Simoni, A Abadia dos Cem Pecados, 2014, tradução de Inês Guerreiro,
Clube do Autor, 2016, ISBN 978-989-724-278-6.
Cortesia de CdoAutor/JDACT
JDACT, Marcello Simoni, Literatura, Conhecimento, Itália,