«(…) Mencia del Valle sorriu-me, cúmplice, do outro lado da mesa, por entre o fausto do candelabro de prata, onde ardiam as velas de sebo. Valorizou a minha ousadia e a sua aprovação chegou-me como um aconchego. Sempre apreciara a mulher devota e de princípios sólidos, viúva antes do tempo, perdido o marido no campo de uma batalha contra os mouros, ainda antes de ter concebido uma criança que continuasse a família, de uma linhagem sem nódoas.
Mas Álvaro Nuñez não perdeu o
discurso muito tempo. Sabia que a insistência fazia parte de qualquer
negociação.
O senhor vosso pai tem feito um
trabalho notável em Peñafiel. Só um grande fidalgo, com muito saber e apego à
sua Casa, seria capaz de tamanha obra.
Peñafiel é como uma jóia de família.
Única, disse-lhe, mais benévola e com um sorriso. Merece tudo.
Ele olhou em redor, com genuína expressão
de assombro pela recuperação mue meu pai vinha ali desenvolvendo havia anos. Toda
a zona da torre central, onde habitávamos, exibia o esforço do escasso tempo que
lhe havia sobrado entre as guerras contra os infiéis e depois contra os do seu próprio
sangue, as mais bárbaras.
O elevado tecto em abóbada fora refeito
com novas vigas de madeira. A lareira de proporções colossais, onde caberia um
boi no espeto e ainda deixava lugar para gente sentada em redor, era esculpida em
pedra, salientada pelo tom escuro dos painéis de madeira com que havia sido
revestida a parede. As outras estavam cobertas de tapeçarias com cenas bíblicas,
que contrastavam com os tapetes de origem mourisca a cobrir o solo de ladrilhos
esmaltados, troféus de guerra retirados dos despojos dos vencidos durante as várias
campanhas militares de meu pai contra o rei de Granada. Estes contrastes marcavam
bem a alma de Castela, de profunda religiosidade cristã mas com influência dos infiéis
em todos os detalhes da vida. Coloridas peças de cerâmica com desenhos geométricos
conviviam com pratas, por cima de arcas vindas de França e mesas ricamente talhadas,
neste recôndito canto do Mundo, que tem a atenção dos monarcas europeus e do Papa
continuamente posta nos seus esforços para que se reconquiste de vez o continente
para os seguidores de Jesus Cristo». In
Isabel Machado, Constança, A Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera
dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.