Um morto e quatro e quatro funerais
«A
sua paixão por velocidade levava-o a conduzir, ele próprio, os cavalos do seu
veículo, e a cavalgar a toda a carga pelos arredores do Rio de Janeiro. Isso causou
diversos acidentes, como o de 1823 que o prendeu ao leito partido e sujo, semelhante
ao estado em que se mostrava a meus olhos naquela manhã de Abril.
Quanto a ser aventureiro, então, esse
é um capítulo à parte. Pedro não pensou duas vezes antes de se declarar brasileiro
e lutar contra Portugal, terra natal da qual era herdeiro, pela independência do
Brasil. Também não temeu largar tudo neste último país para reunir, após penhorar
joías e prataria, um exército que invadisse Portugal e destronasse o irmão a favor
da filha.
Se é na morte, como dizem, que encontramos
a paz e o descanso que a vida nos tirou, Pedro não teve essa sorte. Aquela era a
quarta vez que o tinham sepultado. A anterior havia ocorrido em meados de 1987,
em virtude das obras no monumento e de uma das inúmeras inundações ocorridas na
cripta. Os sarcófagos por pouco não acabaram submersos. Os seus imperiais ocupantes
viram-se, como diversos outros brasileiros, com a casa inundada e tiveram de se
abrigar num vizinho ou parente, no caso o Museu Paulista, mais conhecido como
Museu do Ipiranga.
Os caixões de Pedro e de dona Leopoldina
ficaram expostos ao grande público no salão Nobre do Museu, aos pés do quadro Independência
ou Morte, de Pedro Américo; para arrepio de alguns professores que conduziam
excursões escolares e sussurros de rápidas ave-marias entre funcionários. Voltaram
a cripta no final dos anos de 1980, em cima de um veículo militar escoltado por
oficiais de diversas armas, em mais uma comemoração do 7 de Setembro.
A cripta sob o monumento foi
construída no início da década de 1950, com as paredes revestidas em granito verde
e o tecto, não mais existente, em mármore amarelo. O controverso Monumento à Independência,
que fica acima, conhecido como bolo de noiva, é de 1922. Inicialmente, a
cripta seria um cenotáfio, espécie de memorial fúnebre em homenagem a Pedro e dona
Leopoldina, representados pelos sarcófagos vazios. O corpo da imperatriz permaneceu
de 1826 a 1911 no convento da Ajuda. Devido às obras de remodelação da área central
do Rio de Janeiro, o convento foi demolido e os sarcófagos de membros da família
imperial, transportados para o Convento de Santo António. Pedro esteve em
Portugal desde o falecimento, em Setembro de 1834.
O cenário mudou em 1954, durante a
preparação para os festejos do quarto centenário da cidade de São Paulo. O instituto
histórico local resolveu coroar a festa levando o corpo de dona Leopoldina do
Rio de Janeiro para a capital paulista, a fim de o depositar na cripta. Um longo
braço de ferro entre a ordem Franciscana, responsável pela guarda do corpo da
imperatriz, e a comissão dos festejos teve início com o presidente Getúlio Vargas
e o ministro da Educação e Cultura de um lado, querendo fazer a vontade dos paulistas,
e os franciscanos, protegidos pelo arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara,
do outro». In Paulo Rezzutti, Pedro IV, A história não contada, 2015, Casa das
Letras, 2016, ISBN 978-989-741-495-4.
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