domingo, 26 de novembro de 2023

Dan Brown. O Símbolo Perdido. «Se esse homem quer que o senhor localize algum tipo de portal para ele, por que simplesmente não lhe diz como encontrá-lo? Por que toda essa encenação? Por que lhe dar a mão tatuada de alguém?»

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«Com todo o respeito, minha senhora, todos nós já ouvimos falar na Fonte da Juventude e em Shangri-la, mas isso não significa que existam. O chiado alto do rádio de Anderson os interrompeu. Chefe?, disse a voz no rádio. Anderson arrancou o aparelho do cinto. Anderson falando. Senhor, já concluímos a busca do local. Ninguém aqui dentro corresponde à descrição. Mais alguma ordem, senhor? Anderson lançou um olhar rápido para Sato, claramente esperando uma reprimenda, mas a directora não parecia interessada. Ele se afastou um pouco dos dois, falando baixinho no rádio. Sato estava totalmente concentrada em Langdon. Está querendo dizer que o segredo que ele acredita estar escondido em Washington... é uma fantasia? Langdon assentiu.

Um mito muito antigo. Na verdade, o segredo dos Antigos Mistérios é anterior ao cristianismo. Tem milhares de anos. E mesmo assim continua vivo? Assim como várias crenças igualmente improváveis. Langdon muitas vezes lembrava a seus alunos que a maioria das religiões modernas incluía histórias que não resistiam ao escrutínio científico: desde Moisés abrindo o mar Vermelho até Joseph Smith usando óculos mágicos para traduzir o Livro de Mórmon a partir de uma série de placas de ouro que encontrou enterradas no norte do estado de Nova York. A aceitação generalizada de uma ideia não é prova de sua validade. Entendo. Então o que são exactamente esses... Antigos Mistérios? Langdon suspirou. A senhora tem algumas semanas? Resumidamente, os Antigos Mistérios se referem a um conjunto de conhecimentos secretos reunidos muito tempo atrás. Um dos aspectos intrigantes desse conhecimento é que ele supostamente permite àquele que o detém entrar em contacto com poderosas habilidades adormecidas dentro da mente humana. Os adeptos esclarecidos que possuíam esse conhecimento juraram mantê-lo escondido das massas, porque ele era considerado poderoso e perigoso demais para os não iniciados.

Perigoso de que forma? As informações foram ocultadas pelo mesmo motivo que mantemos fósforos fora do alcance das crianças. Nas mãos correctas, o fogo pode proporcionar luz... mas, nas mãos erradas, ele pode ser altamente destrutivo. Sato tirou os óculos e estudou Langdon. Diga-me, professor, o senhor acredita que essas informações poderosas possam realmente existir? Langdon não sabia ao certo como responder. Os Antigos Mistérios sempre tinham sido o maior paradoxo de sua carreira académica. Praticamente todas as tradições místicas da Terra giravam em torno da ideia de que havia um conhecimento misterioso capaz de dotar os seres humanos de poderes sobrenaturais, quase como os de um deus: o tarô e o I Ching davam ao homem a capacidade de ver o futuro; a alquimia, por sua vez, concedia a imortalidade graças à lendária pedra filosofal; a wicca permitia aos praticantes avançados conjurar poderosos feitiços. A lista não tinha fim.

Como académico, Langdon não podia negar o registo histórico dessas tradições, tesouros incalculáveis de documentos, artefactos e obras de arte que, de facto, sugeriam claramente que os antigos possuíam um poderoso saber que só compartilhavam por meio de alegorias, mitos e símbolos, garantindo assim que apenas os devidamente iniciados pudessem ter acesso aos seus poderes. Mesmo assim, sendo realista e céptico, Langdon ainda não estava convencido. Digamos apenas que eu sou um céptico, disse ele a Sato. Nunca vi nada no mundo real que sugerisse que os Antigos Mistérios são algo mais do que uma lenda, um arquétipo mitológico recorrente. Parece-me que, se fosse possível para os humanos adquirir poderes milagrosos, haveria provas disso. Mas até agora a história não nos deu nenhum homem com poderes sobre-humanos. Sato arqueou as sobrancelhas. Isso não é totalmente verdade.

Langdon hesitou ao perceber que, para muitas pessoas religiosas, havia de facto um precedente para deuses humanos, dos quais Jesus era o mais evidente. É verdade, disse ele, que muitas pessoas instruídas acreditam nesse conhecimento capaz de conferir poder, mas ainda não estou convencido. Peter Solomon é uma dessas pessoas?, perguntou a directora, olhando de relance para a mão no piso da Rotunda. Langdon não conseguiu se forçar a olhar novamente para a mão. Peter vem de uma família que sempre teve paixão por todo tipo de coisa antiga e mística. Então a resposta é sim?, indagou Sato. Posso garantir à senhora que, ainda que Peter acredite que os Antigos Mistérios sejam verdadeiros, ele não crê que seja possível acessá-los atravessando algum tipo de portal escondido em Washington. Ele entende o conceito de simbolismo metafórico, algo que evidentemente não se pode dizer de seu sequestrador. Sato aquiesceu.

Então o senhor acredita que esse portal é uma metáfora? É claro, disse Langdon. Pelo menos em teoria. É uma metáfora bem comum: um portal místico que se deve atravessar de modo a alcançar a iluminação. Portais e portas são constritos simbólicos recorrentes, que representam ritos de passagem transformadores. Procurar um portal literal seria como tentar localizar os verdadeiros Portões do Paraíso. Sato pareceu reflectir sobre a questão por alguns instantes. Mas me parece que o homem que sequestrou o Sr. Solomon acredita que o senhor é capaz de destrancar um portal de verdade. Langdon soltou o ar com força. Ele cometeu o mesmo erro de muito zelotes: confundir metáforas com realidade. De modo semelhante, os alquimistas primitivos se esforçaram em vão para converter chumbo em ouro sem nunca perceber que essa transformação nada mais era do que uma metáfora para a exploração do verdadeiro potencial humano: pegar uma mente obtusa, ignorante, e transmudá-la em uma mente brilhante e iluminada.

Sato gesticulou em direcção à mão. Se esse homem quer que o senhor localize algum tipo de portal para ele, por que simplesmente não lhe diz como encontrá-lo? Por que toda essa encenação? Por que lhe dar a mão tatuada de alguém? Langdon havia feito a mesma pergunta a si mesmo, e a resposta era perturbadora. Bem, parece que o homem com quem estamos lidando, além de mentalmente instável, é muito instruído. A mão é uma prova de que ele é versado nos Mistérios, assim como em seus códigos de confidencialidade. Sem mencionar seus conhecimentos relativos à história desta sala. Não estou entendendo. Tudo o que ele fez hoje à noite se encaixa perfeitamente nos protocolos antigos. Tradicionalmente, a Mão dos Mistérios é um convite sagrado, devendo, portanto, ser feito em um local igualmente sagrado».  In Dan Brown, O Símbolo Perdido, 2009, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-252-014-0.

 Cortesia de BertrandE/JDACT

 JDACT, Washington DC, Dan Brown, Literatura, Maçonaria,