«Ele aproximou-se ainda mais, impondo o seu tamanho e masculinidade. Ela começou a arranjar desculpas para se ir embora. Estes homens parecem mercenários. Será que vos obedecem? Sem dúvida que o seu pagamento serão os despojos. São mercenários, mas são os meus mercenários, e obedecer-me-ão. Morvan Fitzwaryn paga em prata, não com a promessa de pilhagem. Provavelmente esperam que haja alguma, mas não faz parte do acordo. E se vos acontecer alguma coisa? Não tinha percebido que as pessoas do povoado me tinham enviado uma advogada juntamente com a cortesã. Os vossos favores requerem primeiro um contrato em que se cubram todas as eventualidades?
As
palavras e o olhar dele lembraram-lhe quem ela pretendia ser e a razão pela
qual se encontrava ali. Pensou no perigo que corriam os inocentes da casa-torre
se a fortaleza sucumbisse, e na morte horrível que a aguardava se tal não
acontecesse. O seu plano era a única forma de solucionar ambos os problemas. Vamos
despir-nos, Melissa, para que possais mostrar-me essa grande arte que é a
vossa. Olhou, tranquilo, para a enxerga. –
Não
se adequa muito a uma cortesã. Preferis que estenda algumas peles no chão?
Assim há mais espaço. Com passos largos, foi até ao outro lado da tenda e
espalhou algumas peles grandes pelo chão. Sim, assim é melhor. Começou a
desapertar o nó das calças. De quatro da primeira vez, parece-me. Ela
testemunhou horrorizada este desenrolar demasiado rápido dos acontecimentos. Sir
Ian, não estais a compreender. Tal como vos disse, não sou meretriz. Sou
cortesã. Fazemos as coisas de forma diferente. A sério? E eu determinado a
fazê-lo de todas as maneiras que houver. Estou desejoso de aprender algo de
novo. Sim, matá-lo não seria de todo difícil. Não foi isso que eu quis dizer.
As cortesãs não se limitam a copular como animais. Nós criamos todo um
ambiente, toda uma experiência. Há bastante preparação e relaxamento antes. As
mãos dele largaram as calças. Tereis de me ensinar, senhora. Não passo de um
simples cavaleiro. Estou habituado a meretrizes que se sujeitam à vontade de um
homem. Estou a ver que convosco, cortesãs, se passa tudo ao contrário.
Tereis
tudo aquilo que desejais, e mais ainda. Mas fui treinada em várias artes além
dessa. Música, conversação… Certamente que, depois de viver pouco melhor do que
um animal nestas tendas, vos agradará um serão cortês. Deixai que vos mostre. Com
passos firmes, foi até às peles, pegou em algumas bolsas que estavam por perto
e compôs com elas um encosto numa das beiras. E agora, descansai. Pronto. Não é
melhor assim? Ele deitou-se em cima das peles, com a cabeça e os ombros reclinados
nas bolsas. Ela ajoelhou-se ao seu lado e levantou o pano que cobria o cesto.
Preparou as empadas de carne e a taça e, em seguida, serviu o bom vinho de
Bordéus. Ofereceu-lhe a taça.
Ele
bebeu com calma e deteve os olhos nela. Não bebeis? Não. Fico menos capaz. Não
queremos que tal aconteça, pois não? Ele provou uma empada e ergueu as sobrancelhas
em sinal de aprovação. Se suplantais as rameiras do acampamento, ainda estamos
para ver, mas a vossa comida suplanta decididamente a cozinha daqui. Um sorriso
tonto iluminou-lhe o rosto e, antes de se recompor, Reyna quase se lançou numa
explicação das plantas aromáticas que utilizara. Desejais que toque flauta
enquanto comeis?
Sem
sombra de dúvida. Trata-se de uma experiência rara para um pobre cavaleiro como
eu. Não quero perder nada. Apoiou-se num cotovelo. Ela tentou não olhar para a
taça que se movia em dire ção aos lábios dele. Mais. Uma boa golada. Ela
começou a tocar uma melodia lenta no instrumento. Enquanto tocava, pensava nos
minutos seguintes e naquilo que teria de fazer. Rezou para ter coragem para
levar a cabo a sua missão.
Tal
faria com que o cerco fosse levantado pelo menos por alguns dias, até Morvan
Fitzwaryn descobrir o que tinha acontecido e enviar mais homens para lá.
Entretanto, os outros poderiam ir para norte, até Clivedale. Pelo canto do
olho, viu Ian pousar a taça de vinho. Estava vazia. Ela suspirou de alívio e
tocou uma nota em falso. Falhou outra quando dois dedos tocaram no seu braço e
lhe subiram, vagarosos, até ao ombro.
Movimento
atrás dela. Mãos que lhe afastavam o cabelo para cima de um ombro. Um rosto que
passava ao de leve pelo seu pescoço e uma respiração cálida na sua pele. Um
beijo no seu ombro e dentes que lhe roçavam a orelha. Ela olhava fixamente para a lona branca,
perplexa por as atenções deste estranho estarem a perturbá-la e a deixá-la sem
fôlego. A melodia perdeu-se num desastre de sobressaltos. Ela baixou a flauta e dirigiu-lhe um olhar céptico.
O rosto dele estava a centímetros do dela, e só lhe via os olhos abrasadores e
a boca sensual. Não parava de olhar para a taça vazia. Adormece. Infelizmente,
sir Ian não parecia nem um pouco sonolento». In Madeline Hunter, Mil Noites de
Paixão, 2002, Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-672-7.
Cortesia de EASA/JDACT
JDACT, Madeline Hunter, Literatura, Idade Média,