A primeira grande rainha da Europa
«Ainda assim, muitas pessoas
sentiam-se agradecidas, pois essa mesma severidade inflexível trouxe
estabilidade e segurança às suas vidas quotidianas, protegendo-as da violência
do populacho, da ganância dos Grandes e da crueldade fortuita daqueles que
desprezavam com arrogância as leis de Castela. A aparente calma de Isabel
escondia não só uma ferrenha força de vontade, como também um conceito elevado
de seu lugar na história e um desejo de fama duradoura que levaram sua ambição
muito além das tradicionais fronteiras de Castela. Navios do vizinho Portugal
já estavam aventurando-se em águas distantes do Atlântico e para o sul, ao
longo da costa da África.
Sob a liderança de Isabel, com a
ajuda do talentoso e excêntrico navegador genovês (português?) Cristóvão
Colombo, Castela pressionou mais e mais para oeste, descobrindo todo um Novo
Mundo que lhe angariou glória, poder e ouro. Isso também quadruplicou o tamanho
geográfico do que viria a ser denominado civilização ocidental e ajudou a
provocar uma mudança tectónica no poder global. Era, em muitos aspectos, o
milagre pelo qual a conflituosa cristandade estivera esperando.
Tudo isso foi conseguido, em
parte, porque Isabel começou o processo de impor o que outros príncipes e monarcas
em toda a Europa se esforçavam para instalar, um novo tipo de domínio real que
reduzia o poder político dos senhores feudais e concedia mais a uma nova classe
de leais e dependentes burocratas reais. Era uma transição ousada e
inteligente, não revolucionária, mas ainda assim profundamente transformadora,
e tudo feito, ironicamente, com apelo à tradição. Em seu desejo de angariar o máximo
poder possível para a coroa, uma precursora das monarquias absolutistas dos séculos
posteriores, ela governava em pé de igualdade com seu marido, Fernando, cujos
reinos menores de Aragão por fim lhes deu o controle conjunto da maior parte da
Espanha contemporânea, embora esse tipo de governo fosse muito mais fácil de
implantar em Castela.
Na verdade, seu maior acto político
foi forjar uma aliança com Fernando que era ao mesmo tempo única e claramente
compreendida por ambos, embora provocasse, e continue a provocar, confusão. Algumas
pessoas ficavam surpresas e diziam Como? Há dois monarcas em Castela?, perguntou
um perplexo visitante da Inglaterra, escrevendo em francês. Eu escrevo monarcas
porque o rei é rei por causa da rainha, por direito de casamento, e porque eles
se denominam monarcas. Até mesmo observadores contemporâneos, portanto,
tentaram compreender esse fenómeno ímpar com explicações mais extravagantes, pintando
a rainha tanto como uma companheira silenciosa e subserviente a Fernando ou,
por outro lado, como uma megera dominadora. No entanto, o nós real empregado
em suas cartas reflectia a realidade, pois a assinatura de Isabel era também a
de seu marido e vice-versa, ao menos em Castela, pois as leis de Aragão a tornaram
rainha consorte e, na prática, o sócio minoritário lá.
Um dos maiores problemas para um
biógrafo de Isabel é separar o papel do marido e o da esposa, embora isso seja
uma tarefa inútil. Se uma das primeiras e mais importantes decisões de Isabel
foi a de se casar com Fernando e outra tenha sido compartilhar o poder quase
como iguais, então ela também merece crédito pelas acções de seu marido. As glórias
dele eram dela também (assim como as dela eram dele) e devem ser acrescentadas,
e não subtraídas, de suas realizações individuais. Seus fracassos e excessos
também devem ser compartilhados, mas a descoberta precoce do casal de que duas
pessoas cuja parceria baseia-se na lealdade e na confiança absoluta na
capacidade de que juntos podem fazer muito mais do que uma única pessoa sozinha
é a chave para a compreensão do reinado de Isabel.
Essa
era a melhor expressão do amor do século XV, na maioria das vezes, uma questão
de respeito. No caso de Isabel, este vinha acompanhado de uma paixão possessiva
e ciumenta, que seria uma marca de seu carácter intenso e determinado. Outra
dificuldade em revelar a verdade sobre a vida de Isabel é o seu gosto pela
propaganda. Ela compreendia intuitivamente, como diria Maquiavel, que governar
é fazer crer. Ela também queria assegurar que sua versão da história,
em que ela aparece como uma figura santa, que oferece um amor severo e redentor
a uma nação perdida, iria triunfar. Para isso, Isabel contava com um grupo de
cronistas submissos que não só dependiam dela para sua sobrevivência, como
quase sempre tinham que submeter seu trabalho à sua aprovação. Este biógrafo
tentou usar essas crônicas de maneira criteriosa, levando em consideração os preconceitos
dos autores, sem ignorar o facto de que eles em geral foram testemunhas dos
momentos mais importantes da carreira de Isabel». In Giles Tremlett, Isabel de
Castela, Editora Rocco, 2018, ISBN 978-853-253-099-8.
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